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segunda-feira, 9 de agosto de 2021

BEIRA BAIXA - DAQUI NÃO SE SAI COM FOME


 www.jn.pt +

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É preciso uma longuíssima montra para expor o riquíssimo património gastronómico da Beira Baixa. Há vinhos de truz. Há azeite de cor e paladar de arromba. Há queijos magníficos. O cabrito e o borrego são divinais. Há enchidos de perder a cabeça. E há mais, muito mais. Eis uma viagem em que as papilas gustativas têm labor acrescido. Graças a Deus! Ou melhor: graças à excelência do território.

Manhã cedo, o cheiro do pão que acaba de cozer no forno comunitário toma conta da Figueira, belíssima aldeia de xisto de Proença-a-Nova. Baila uma série de ideias na cabeça do forasteiro: que bem isto iria com um fio de azeite da Beira Baixa; que companhia deliciosa para um naco do queijo inigualável que se faz neste território; acompanhar o pão quente com um pedaço de plangaio também não seria má ideia, se as horas estivessem mais adiantadas; enchê-lo de mel é outra possibilidade; acompanhá-lo com enchidos não estaria mal, se tivéssemos à mão um dos copiosos vinhos aqui produzidos. As múltiplas hipóteses são, na verdade, um dos mais impressivos retratos do tanto que a gastronomia da Beira Baixa tem para oferecer. Ah, sim: podemos trocar o pão pela ligeiramente adocicada broa da Isna, vinda da aldeia de xisto com o mesmo nome - o resultado não será muito diferente.

Há, claro está, uma ruralidade de excelência por detrás de tamanha oferta. Hoje, a Beira Baixa pede meças com orgulho e razão.








Terra de pastores

Estamos em terra de pastores. Dos que fazem longas caminhadas pastos fora com os rebanhos, restarão pouco mais de meia centena. A transumância (passagem periódica dos animais das planícies para as montanhas, e vice-versa, sempre à cata dos melhores pastos) que outrora marcou o quotidiano e a paisagem destas paragens é já residual. Mas há quem desafie a lógica, como Rogério Belo, pastor de 36 anos que não troca, "por nada deste Mundo", o sossego de Vale Pousadas, em Vila Velha de Ródão, pela "confusão insuportável das cidades".

Rogério e o irmão Tiago têm à sua conta um rebanho com 180 ovelhas, mais seis vacas. O leite é vendido a uma queijaria, a carne de vaca a uma salsicharia, para produção de enchidos, os borregos a quem os comprar. "E assim fazemos a vida", diz o pastor, certo de que "a pastorícia vai voltar, porque há muita gente a regressar ao Interior". Agradecidos, Rogério: pelo caminho haveremos de provar o borrego, em Castelo Branco, e o cabrito estonado, em Oleiros. Duas subidas aos céus.

A criação de ovinos e caprinos, ancestral nestas terras, a qualidade das pastagens e o manejo cuidado dos rebanhos são a causa desta consequência: com o leite rico e saboroso fazem-se queijos de perder a cabeça, agora protegidos por uma das mais consagradas Denominações de Origem. Há-os para todos os gostos: à ovelheira, a partir de leite estreme (leite cru de ovelha) e coalho vegetal (Queijo de Castelo Branco); à cabreira, a partir de leites de ovelha e cabra e coalho animal (Queijo Picante e Queijo Amarelo); o Requeijão; a Travia; o Queijo de Cabra.
(Era num destes que pensávamos, quando o pão saía do forno da Figueira.)





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Azeite na matriz


Quando sai com o rebanho, Rogério aproveita as sombras das oliveiras para descansar, enquanto as ovelhas pastam. Oliveira é árvore que não falta no território: vemo-las até nos socalcos laboriosamente construídos nas encostas dos rios. Há uma explicação: parte da matriz cultural da Beira Baixa, o azeite é fonte importante de rendimento (é por isso que os lagares tiveram sempre lugar de relevo na simbologia e na economia beirãs).
Em toda a sub-região, veem-se olivais formando coroas esverdeadas prateadas, tal como aquelas que, segundo a mitologia, ornamentavam as cabeças dos deuses vitoriosos. A Galega, variedade rainha, a Bical e a Cordovil dão excelentes azeites virgens e virgem extra. Amarelados, os azeites entram com abundância na cozinha tradicional: nas carnes (maranhos, caça e aves), nos peixes (peixe do rio), nos bolos (cavacas, bicas, bolos de Páscoa, filhós).
(Era num destes azeites que pensávamos, quando o pão saía do forno da Figueira.)

Vinhos? São copiosos

Às vezes dá-lhe para "pensar no dia de amanhã", outras dá-lhe simplesmente "para olhar para a nossa fantástica paisagem", confessa Rogério Belo. Por estes dias, o pastor tem reparado "nos cachos das vinhas cuidadas", que dão sinais de esperança: dos lagares e das cubas de inox onde o mostro será paulatinamente trabalhado hão de sair tintos e brancos de truz: frescos, copiosos e salinos, provêm de granitos velhos, os mais duros do País. As castas que lhes estão na base (destaque para a Fonte Cal e Rufete), dão vinhos de grande elegância e longevos. Acresce que a relação qualidade-preço é muito, muito interessante.
(Era num destes vinhos que pensávamos, quando o pão saía do forno da Figueira.)

Bendito porco...

Diz o povo que do porco nada se perde, tudo se aproveita. Na Beira Baixa há um exemplo desta verdade. De estranho, o plangaio só tem o nome: tudo o resto são camadas de sabor para reter na memória. Em traço grosso: ao enchido das farinheiras juntam-se os ossos de espinhaço do animal. Mistura-se colorau, cominhos e farinha de centeio. Depois de tudo enfiado em peles cosidas, vai a secar no fumeiro. Serve-se com couves-galegas e batatas. Acompanhar aquela massa cheirosa e apetitosa numa fatia do pão que nos persegue é caminho para o divino.
Claro que também há chouriços e chouriças, morcelas e maranhos. Aqui os produtos de fumeiro são presença inevitável nos hábitos alimentares mais antigos da sub-região.
(Quem se atreve a dizer que não a um petisco destes misturado com o pão da Figueira?)

... e bendita cozinha

Há cogumelos nos pinhais, soutos, carvalhais, montados de sobro e azinho, prados e pastagens (míscaros, pinheirinha, pata de cordeiro, rapazinhos, boletos, tortulho, viuvinhas, frade, sol da terra, entre muitos outros). Há feijão frade da Lardosa (freguesia de Castelo Branco). Há melancia do Ladoeiro (freguesia de Idanha-a-Nova). Há o incontornável medronho de Oleiros. Há cereja em Proença-a-Nova. E há ervas aromáticas, especiarias, vegetais e plantas silvestres (poejo, espargos silvestres, acelgas, beldroegas, por exemplo) para acompanhar e condimentar os manjares.
Francamente: algum comensal consegue resistir a esta bendita cozinha?

Alguém disse sobremesa?


Em terra de leite e mel de elevada qualidade, só pode haver sobremesas de elevada qualidade. Esta verdade de La Palisse tem exemplos. A tigelada encabeça a lista, sem dúvida, mas as farófias e o arroz-doce que por aqui se fazem não lhe ficam atrás. As papas de carolo e o leite-creme também jogam na elite. E, enfim, para acompanhar o café há broas de mel, borrachões, nógados, cavacas e esquecidos.

Bom apetite!

Mais informação em beirabaixatour.pt

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