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segunda-feira, 10 de maio de 2021

Pesca descontrolada: como o peixe se tornou uma vítima da pandemia

 



Alarme As pescas não reguladas representam 15% do peixe capturado. Teme-se que a Covid-19 tenha vindo acentuar ainda mais o problema
Organizações ambientalistas alertam para a falta de fiscalização do pescado no contexto atual, que deixa ainda mais exposto um setor já de si com problemas de sustentabilidade e suscetível a fraudes

Se já eram vulneráveis, mais ficaram. 

Não bastavam a sobrepesca e a pesca ilegal enraizada, as alterações climáticas e os esquemas de fraude alimentar: agora até a pandemia veio aumentar a pressão sobre espécies de peixe ameaçadas, em resultado da menor fiscalização ao longo do último ano. 

Um pouco por todo o mundo, as autoridades não puderam inspecionar os barcos de pesca com a regularidade habitual, em virtude das restrições para conter o novo coronavírus, e teme-se que a situação possa ter ficado ainda mais desgovernada em alto-mar, onde o controlo da atividade já não é fácil em circunstâncias normais. “Os pescadores nesses microcosmos conhecem as limitações ao nível de monitorização, controlo e vigilância e podem vir a envolver-se em práticas ilícitas”, alertava a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), logo nos primeiros tempos da crise sanitária provocada pelo SARS-CoV-2.

Estima-se que a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, represente mais de 15% do peixe capturado, qualquer coisa entre 11 e 26 milhões de toneladas por ano. 

A escassa fiscalização presencial, neste contexto pandémico, parece ter acentuado a necessidade de encontrar outro tipo de resposta, mais adequado à era digital. “Os observadores a bordo são sempre necessários e desejáveis, porque têm uma perceção diferente de uma câmara de filmar, mas a pandemia veio realçar que é necessária uma monitorização eletrónica remota”, sublinha Gonçalo Carvalho, coordenador executivo da Sciaena, associação portuguesa dedicada à conservação dos oceanos. O biólogo marinho refere-se ao sistema REM (sigla inglesa), uma tecnologia que combina sensores e videovigilância para obter informações como a localização do navio, os métodos de pesca utilizados e o produto em si.

Mais controlo “É necessária uma monitorização eletrónica remota” para diminuir as pescas ilegais, defende Gonçalo Carvalho, da Sciaena

Assim que os primeiros confinamentos começaram a fechar serviços e atividades, várias organizações não governamentais internacionais, como a WWF e a Ocean Mind, acionaram os alarmes para as possíveis consequências de uma fiscalização comprometida, advogando a introdução deste sistema REM. 

A Sciaena foi uma das que subscreveram uma carta dirigida às entidades regionais de gestão da pesca no mundo, no sentido de equacionarem a solução, atualmente em debate na União Europeia. “Acredito que poderá tornar-se obrigatória, pelo menos para os prevaricadores reincidentes”, nota Gonçalo Carvalho, convicto de que Portugal teria a ganhar com a adoção generalizada da medida, uma vez que tornaria o seu produto “mais transparente e, por consequência, mais valorizado”.

Do bacalhau aos filetes de peixe-gato
Sendo certo que a pandemia veio reduzir a atividade piscatória em zonas costeiras, aliviando a pressão sobre algumas populações de peixes, imagens de satélite sugerem que o mesmo não se verificou em alto-mar, onde grandes embarcações conseguem capturar durante meses a fio. 

É este o ponto de partida de certas cadeias comerciais mais longas, que levam o peixe para ser preparado ou processado em países asiáticos, beneficiando de mão de obra mais barata, antes de ser exportado para os mercados europeus e americanos.
Neste caminho entre a captura e o prato do consumidor, há muitas etapas vulneráveis à adulteração do produto. Não por acaso, a Europol e a União Europeia classificam o peixe como um dos produtos alimentares mais suscetíveis à fraude. A mais frequente, segundo a FAO, é a substituição de uma espécie com maior valor comercial por outra menos apreciada. 

Um dos exemplos apresentados é o do peixe-gato (ou panga) criado em ambiente controlado na China, que surge em muitas embalagens de filetes vendidas como se fossem de outros peixes mais valorizados.

Ao longo da última década, a ONG americana Oceana tem liderado uma campanha internacional com vista a alertar o mercado e os consumidores para estas práticas fraudulentas, agregando vários estudos que mostram, através de testes de ADN, que o problema existe à escala global. Na Europa, a pescada e o linguado surgem como espécies propensas a adulterações. “Em Portugal, também já vi à venda bife de espadarte que era claramente de tubarão”, atira Gonçalo Carvalho, que considera “boa ideia” consumir pescado fresco de proveniência “o mais próxima possível”, embora ressalve que esta não é, por si só, garantia de maior sustentabilidade do produto.

Um estudo encontrou 35 tipos de peixe diferentes vendidos como luciano. Metade era de espécies em risco

Assentes no princípio de que tudo o que vem à rede é peixe, estes esquemas acabam por apanhar na rede algumas espécies ameaçadas. 

A nível global, a família Lutjanidae, dos peixes lucianos (semelhantes aos pargos), é muito dada a substituições, até porque existem várias espécies parecidas. 

Um estudo de 2018 da Universidade de Salford, em Manchester, que recolheu 300 amostras em seis países, supostamente de lucianos, identificou 35 espécies de outras 15 famílias diferentes.

Entre as amostras legítimas e falsas, mais de metade pertenciam a espécies que integravam, em 2017, a lista vermelha de espécies ameaçadas, da União Internacional para a Conservação da Natureza. 

O mesmo é dizer que, além de nem sempre comermos o que vem descrito nas embalagens (ou nas ementas dos restaurantes), também não estamos inteiramente livres de consumir peixes em risco de extinção. Isto apesar de a legislação europeia, ao contrário do que acontece noutras latitudes, obrigar a que os rótulos apresentem o nome científico das espécies em causa, para maior proteção do consumidor. “Há sempre possibilidade de enganar o sistema, mas podemos fazer melhor ao nível da fiscalização”, remata Gonçalo Carvalho.



https://visao.sapo.pt/

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