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quinta-feira, 27 de maio de 2021

A mulher que pôs André Ventura no banco dos réus

 

www.sabado.pt 




 

Leonor Caldeira nasceu e cresceu numa Lisboa muito mais distante do Bairro da Jamaica do que os cerca de 20 quilómetros que a separam daquela zona da margem sul. Mas a distância que separava a menina que estudou na secundária Vergílio Ferreira e entrou numa das maiores sociedades de advogados do país depois de concluir Direito na Universidade de Lisboa encurtou-se pela indignação que lhe causou perceber que quem lá vive não tem voz.

A trabalhar em Bruxelas numa ONG, só por um acaso da pandemia estava em Lisboa quando André Ventura se referiu a uma família do Bairro da Jamaica como "bandidos", usando a fotografia tirada com os Coxi para atacar o então recandidato Marcelo Rebelo de Sousa num debate da campanha presidencial.

"Estava doente com covid. Apanhei na passagem de ano e fiquei retida em Portugal", conta advogada de 27 anos à SÁBADO, que pouco depois do insulto em horário nobre recebia uma mensagem de um amigo e colega de profissão com um print screen de um tweet do jornalista do Fumaça Ricardo Esteves Ribeiro.

Esteves Ribeiro perguntava-se se não haveria um advogado disposto a defender quem estava a ser atacado na televisão pelo candidato presidencial do Chega. "Isto é uma coisa que te interessaria?", perguntava o amigo, já desconfiado de que a resposta seria um "sim".

Leonor fez o estágio de advocacia na PLMJ, onde esteve quatro anos a trabalhar sobretudo em litígios de negócios. Mas estar numa das mais importantes sociedades de advogados do país nunca a impediu de usar o Direito para defender o que diz ser "o bem comum".

"Sempre trabalhei pro bono"

"Sempre trabalhei pro bono", conta à SÁBADO, explicando que começou por dar apoio jurídico a quem precisava e não tinha como pagar um advogado, através da Associação Pro Bono, que tem uma pareceria com a PLMJ, e também "do boca a boca" de quem sabia que Leonor Caldeira era alguém com disponibilidade para ajudar.

À sua secretária chegavam sobretudo casos de Direito de Família ou situações de despejo e Leonor dava-lhes aconselhamento jurídico, mas nunca tinha patrocinado um processo judicial como fez no caso da família Coxi.

Isso não a impediu de se disponibilizar logo para tentar ajudar a família do Bairro da Jamaica. O primeiro passo foi usar o Twitter para chegar a Ricardo Esteves Ribeiro. O jornalista já tinha feito trabalhos no bairro e tinha contactos para chegar aos Coxi. "Foi uma coisa muito millenial, tudo nas redes sociais", brinca a jurista.

A investigação de Leonor

Recuperada da covid-19, mas em teletrabalho, Leonor Caldeira teve a possibilidade de começar a fazer "trabalho investigativo" sobre a família que tinha sido atacada por Ventura. Pediu registos criminais, foi à Segurança Social perceber que apoios tinham do Estado, requereu documentação ao SEF, falou com eles, pediu-lhes recibos de vencimento.

Feita a investigação, não teve dúvidas. "As declarações de André Ventura eram falsas". Na imagem tirada ao lado do Presidente Marcelo não aparecem "bandidos", mas pessoas que trabalham. Dos sete membros do agregado familiar só um tem no registo criminal duas multas (pagas) que lhe valeram uma inibição de conduzir. E antes da pandemia ninguém recebia um cêntimo de Rendimento Social de Inserção (RSI).

"O pai, Fernando, é segurança no centro de saúde de Corroios. A mãe, Julieta, é técnica de limpeza. A Aurora trabalhava num restaurante e agora está a tirar o curso de segurança. A Vanusa está desempregada, mas antes trabalhava num call center. O Hortênsio está a criar o seu restaurante e a Higina também trabalhava na restauração antes da pandemia e agora é doméstica", resume a advogada.

"Criei grande empatia com os meus clientes. São boas pessoas, trabalhadoras", sublinha Leonor Caldeira, que até os representar conhecia o Bairro da Jamaica das notícias, porque sempre se interessou "pelo tema da habitação" e pelas questões sociais. E ter entrado aos 23 anos para um escritório que trabalha sobretudo na área dos negócios não a desligou dessa preocupação.

"São causas que me interessam", diz, explicando que foi assim que resolveu mudar de vida e rumar a Bruxelas, quando apareceu a oportunidade de trabalhar na Client Earth, uma ONG que se dedica sobretudo a questões ambientais, mas onde muitas vezes se cruza com processos relacionados com Direitos Humanos.

Por cá, queixa-se, "há caminho" a fazer no que toca a um apoio mais organizado a quem tem dificuldade no acesso à Justiça por causa dos custos de um advogado e das custas judiciais. "Há muitos advogados a trabalhar pro bono, mas podia fazer-se mais em Portugal, através de ONG e de associações".

No caso da família Coxi, Leonor Caldeira não fez as contas a quanto seria preciso para assegurar a defesa dos seis adultos e de uma criança, mas assegura que "seria muito caro" levar o caso a tribunal sem ter trabalhado sem receber e sem o apoio judiciário nas custas.

Assim que decidiu aceitar o caso e o discutiu com os seus constituintes, o primeiro passo foi mesmo tratar do processo para dispensa de pagamento por insuficiência económica. Um passo "muito burocrático", mas essencial para garantir a isenção de custas.

Leonor sublinha que uma das primeiras coisas que os Coxi deixaram claro é que não queriam receber dinheiro com o processo. Só defender a honra. "Não tiveram a possibilidade de contraditório. Ninguém da comunicação social lhes foi perguntar nada", ataca a jurista, que tomou para si a luta para lhes dar voz.

Para Leonor Caldeira, as condições em que vive quem mora no Bairro da Jamaica "são uma vergonha para todos nós". A indignação revela o sobressalto cívico que a faz garantir que ajudará quem precise.

Por agora e apesar da exposição mediática ganha à custa do caso da família Coxi, garante que ainda não foi inundada de pedidos de ajuda, mas não fecha a porta a dar auxílio a quem precise.

"Estou disponível a trabalhar para ajudar pelo Bairro da Jamaica e por qualquer pessoa que tenha direitos que precise de ver defendidos e não tenha outra forma de se defender", declara, explicando que lhe ficou bem gravada na cabeça a lição que é dada no estágio de advocacia. "Aprendemos que o advogado é também um agente da Justiça". Por isso, mesmo garantindo que a dedicação a estas causas não significa "virar costas à litigância de negócios", diz que vai continuar a interessar-se pela defesa jurídica daquilo em que acredita.

As lutas de Leonor

"As alterações climáticas, as injustiças sociais, as desigualdades sociais", estão no topo das preocupações da advogada que não tem qualquer ligação partidária "nem a ambição" de a ter. O que quer, assegura, é lutar pelo que acredita. E sente não estar sozinha nessa luta.

"Sou só um sintoma de uma progressiva consciencialização da minha geração", afirma Leonor Caldeira, que esta semana teve a primeira vitória na batalha pela defesa da honra dos Coxi, com a condenação de André Ventura na primeira instância.

"Este foi um passo muito importante, mas esta decisão não é final". Ventura já anunciou que irá recorrer da sentença e até reincidiu no insulto, insistindo em chamar "bandidos" aos Coxi, já depois de conhecida a sentença.

"Agora estamos focados em ganhar na Relação. O nosso foco é que a decisão final espelhe esta primeira vitória", diz Leonor Caldeira, argumentando que o que sair deste caso pode ter um significado muito maior do que a defesa dos direitos de uma família do Bairro da Jamaica, travando a utilização do discurso contra pobres e os cidadãos racializados como arma retórica política. "Pode ser um precedente importantíssimo".

14 comentários:

  1. Bem haja, Leonor! Pela coragem, inteligência, altruísmo, capacidade de lutar - sobretudo pelos mais fracos e injustiçados. Sem querer, corre-se um risco , que os media sabem ampliar, de dar palco a André Ventura. É pena, mas há riscos que têm que se correr. Meu aplauso, D.rª Leonor!

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  2. Bem haja Dra Leonor por dar voz aos mais fracos e muitas vezes injustiça dos pela arrogância dos poderosos. Obrigada pelo altruismo

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  3. ❤️Grata de coração! Ver o ser humano no seu melhor é esperançoso de um futuro mais sorridente.

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  4. São pessoas como a Leonor que nos dão esperança num futuro melhor, mais justo , mais solidário. Bem haja.

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  5. É uma Esperança sublime que nasce dentro de nós, quando ficamos a saber da existência de pessoas como a Dra. Leonor Caldeira! Que Deus e/ou a Sorte, a Acompanhe, Agora e Sempre!!!

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  6. Cara Dr° Leonor (apetecia me dizer lhe: querida Leonor, porque que faz, para mim, as pessoas queridas, são as atitudes e comportamento com que escolhem estar na vida) prossigo, não a conheço, portanto, fica o formalismo, nunca impeditivo de lhe verdadeiramente dizer-lhe, obrigada. A injustiça sempre me feriu violentamente e a injustiça sem a possibilidade de justiça revolta me as entranhas. Reitero o agradecimento e desejo lhe as maiores felicidades para o seu percurso profissional e para a sua vida pessoal.

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  7. Obrigada Dra. Leonor!! Ficamos a dever-lhe esta primeira condenação de André Ventura e esperamos que não seja a última!!...

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  8. Obrigada Dra. Leonor!! Ficamos a dever-lhe esta primeira condenação de André Ventura e esperamos que não seja a última!!...

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  9. Brava!
    Bem haja por nos devolver um pouco de fé na Humanidade. Força para estapas seguintes e que a justiça prevaleça, a bem de todos (incluindo as das instituições).
    Para si, o dobro do bem que faz.

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  10. Obrigado por existir Dr. a Leonor! Parabéns pela atitude humana e jurídica! Bem-haja!

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  11. Obrigado Leonor, não só pela coragem e sentimento de justiça, mas sobretudo pela esperança que nos devolve de não estar tudo perdido. Bem-haja esta geração que começa a dar cartas numa sociedade que parece caduca e sem futuro. Valeu a pena investir na formação nestes jovens que espero que venham a tempo de reverter todos os disparates que. A minha geração ainda no poder é na gestão de empresas repetem vezes sem conta nas últimas décadas. Acabou a impunidade para o terrorismo social. Esta gente biologicamente imatura tem de ser posta no seu lugar. Obrigado a todas as Leonores que lutam pela dignidade dos outros. OBRIGADO

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  12. Obrigada dra Leonor pelo ser solidário que é e por lutar co

    Obrigada dra Leonor pelo ser solidário que é, lutando na justiça,c
    Obrigada dra Leonor por ser solidária, lutando na justiça contra terrorismo social. Desejo-lhe Muitas Felicidades na vida profissional e pessoal

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