Educadoras Libertárias - Louise Michel, a educadora libertária da Comuna de Paris
Nossa terceira educadora da Série Educadoras Libertária é a francesa Louise Michel, a educadora da Comuna de Paris de 1871. Louise nasceu na cidade francesa de Vroncourt, no dia 29 de Maio de 1830, foi professora, enfermeira, escritora e uma das mais importantes comunard( participante da comuna) responsável pela organização da educação na Comuna, de onde se reconheceu como anarquista. Para realizar este post utilizamos o material disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Louise_Michel
A jovem Educadora
É na adolescência que Louise Michel tem contato com as obras de filósofos como Rousseau e Voltaire. Após a morte de seu avô em 1850, muda-se para Chaumont onde realiza o curso de magistério, mas é impedida de lecionar nas escolas estatais por se recusar a jurar lealdade para Napoleão III. Torna-se uma anti-bonapartista.
Em 1852, aos 22 anos ela funda uma escola livre na cidade de Audeloncourt onde permanece lecionando por um ano. Nesta escola Louise ensina seus alunos princípios republicanos, a cantar a Marselhesa( hino dos revolucionários), mas a escola é fechada por pressão das autoridades. Louise não desiste, em 1854 ela abre outra escola, desta vez em Clefmont, mas também esta escola é fechada pelo governo em função do seu caráter republicano e revolucionário.
Em 1856 ela vai para Paris onde leciona em um Colégio interno para moças em Montmartre, ao mesmo tempo mantém sua militancia junto à grupos revolucionários. Durante 15 anos trabalha no ensino, onde funda escolas e gradualmente vai se tornando favorável a novas ideias em matéria de educação com a criação de orfanatos laicos. Também tem interesse por literatura e publica textos e poemas com o pseudônimo de Enjolras. Conhece o famos escritor francês Victor Hugo, de quem se torna muito próxima. Participa dos ambientes revolucionários da época, torna-se integrante da Liga dos Poetas e em 1869 é escolhida secretária da Liga Democrática de Moralização que tinha o objetivo de ajudar os trabalhadores desempregados. Nessa época Louise se identifica com o blanquismo, corrente política de caráter republicano e socialista, fundada por Auguste Blanqui. Em pouco tempo ela abandona o blanquismo para se unir a ala mais radical da revolução, composta pelos anarquistas.
Louise Michel , a Communard libertária
Durante a Comuna de Paris de 1871, Louise Michel realizou diversas atividades, desde enfermeira nas frentes de batalha, passando por organizadora da instrução publica(educação) até combatente, inclusive vestindo a farda da guarda nacional, fato incomum para época, onde este traje era de uso exclusivo dos homens. Tomou parte dos combates de rua onde a tiros conseguiu libertar da detenção sua mãe que iria ser presa. Assistiu a morte por execução de muitos dos seus amigos, incluindo seu amante e companheiro Théophile Ferré, executado em 28 de novembro de 1871.
Com a derrota da Comuna Louise Michel é presa e levada a julgamento no VI Conselho de Guerra, sendo alvo de uma série de acusações, incluindo a tentativa de derrubada do governo e encorajar cidadãos a pegar em armas. De forma desafiadora no tribunal, ela reafirma seu compromisso com a Comuna e seus ideais, e desafia os juízes sentenciá-la a morte. Ela não é sentenciada a morte, mas passa vinte meses detida e posteriormente é condenada a deportação. Em agosto de 1873 ela parte em navio para uma viagem de 4 meses em direção de Nova Caledônia, ilha transformada em desterro pelo governo Francês, onde eram mantidos os presos polítcos. Nesse periodo a imprensa francesa a chama de forma satírica de La Louve Rouje (a Loba Vermelha).
Ainda no navio Louise se aproxima do prisioneiro Henri Rochefort e Nathalie Lemel, outra anarquista ativa durante a Comuna. Louise passa sete anos na ilha. Nesse período ela não abandonou seu trabalho militante e pedagógico. Se aproxima da população local, da etnia Kanak, cria a revista “Petites Affiches de la Nouvelle- Calédonie( Pequenas Cartas da Nova Caledônia) e publica o livro “Legendes et Chansons de gestes canaques” , onde compila os cantos e lendas dos nativos. Leciona para adultos e crianças, torna-se defensora dos Kanaks e toma parte na revolta de 1878. No ano seguinte ela recebe autorização das autoridades coloniais para lecionar para os filhos dos deportados.
O retorno à luta em Paris
Seu retorno a Paris se dá em 1880, após a anistia garantida aos Communards. Em 21 de novembro de 1880 é calorosamente recebida por uma multidão para a qual discursa. Ela retomará suas atividades militantes participando de eventos e reuniões como o Congresso anarquista de Londres em 1881. Após dois meses de sua chegada inicia a publicação do seu romance “La Misère” ( A Miséria) em fascículos, atingindo grande sucesso.
Em Março de 1882 durante reunião de libertários em Paris Louise propõe a separação entre os socialista- libertários e autoritários- como forma de se afastar dos parlamentares socialista e suas regras inequívocas. É nessa reunião que defende a adoção da bandeira negra como símbolo do anarquismo em contraste com a “bandeira vermelha encharcada com o sangue dos nossos combatentes”, defende ela.
Em 1883 após discursar em uma manifestação de desempregados que ao final saqueiam três panificadoras e entram em conflito com a polícia, Louise é presa e acusada de liderar os saques, levada a julgamento é condenada a seis anos de prisão, dez de vigilância policial e proibida de discursar em publico. Mas não chega a cumprir a pena, três anos depois em 1886 é liberada ao mesmo tempo que Kropoktin e outros anarquistas notáveis, até então presos.
Depois deste breve período em liberdade é novamente encarcerada e condenada a mais 6 anos de prisão por fazer discursos inflamados. É liberada em janeiro de 1886 graças a intervenção de Clemenceau junto ao presidente da Reṕublica, Jules Grévy, para que pudesse ver sua mãe que estava morrendo. Em agosto do mesmo ano volta a ser presa por quatro meses após discursar em favor do mineiros de Decazeville junto com Paul Lafargue. Durante o julgamento é aconselhada a apelas, mas recusasse, sendo finalmente liberada em Novembro por conta de um indulto.
Em janeiro de 1887 discursa contra a pena de morte, em resposta a condenação de seu amigo Clément Duval. Em janeiro de 1888 após uma tarde falando para uma platéia lotada no teatro de Gaite, Louise Michel sofre um atentado levando dois tiros de pistola. Um dos tiros atinge superficialmente sua cabeça, mesmo sendo uma tentativa de assassinato Louise se recusa a apresentar queixa. Em abril de 1890, Louise é presa na Áustria após participar de um grande encontro libertário que acabou em manifestações violentas na cidade de Viena. Um mês depois de sua prisão, ela se recusa a ser libertada enquanto outros anarquistas com os quais discursava permanecem na prisão. Aos 60 anos Michel é libertada e deixa Viena indo para Paris e posteriormente para Londres, onde dirige uma escola libertária para crianças pequenas. Retornará a Paris somente cinco anos depois, em 1895, onde é novamente recebida e saudada por uma grande manifestação na estação de trem.
" O poder é maldito, é por isso que sou anarquista"
Durante a última década de sua vida, Louise Michel torna-se conhecida como uma grande figura revolucionária libertária por anarquistas de toda a Europa. Realiza diversas conferências em Paris e outras nações. Em 1895, funda o Jornal “O Libertário” junto com Sébastién Faure.
Louise Michel viajava pela França realizando atividades em prol da causa libertária quando morreu aos 74 anos, acometida por uma forte pneumonia. Faleceu em Marsellha no dia 10 de janeiro de 1905 no quarto 11 do Hotel Oasis. Seu funeral em Paris atraiu uma multidão imensa de milhares de pessoas.
Louise Michel no final da vida, morreu lutando.
Louise Michel por sua trajetória de combatente da causa libertária entrou para a galeria das grandes anarquistas-libertárias. Seu legado encontra-se até hoje nos Estudos Femininos americanos que tratam das relações de gênero. Reconhecida por sua obra literária, repleta de poemas, contos e histórias, e também romances como “A Miséria”, no qual através de brilhante capacidade literária, deu visibilidade ao drama social vivenciado nos subúrbios de Paris.
Cabe destacar, fundamentalmente, o seu compromisso com a educação libertária. Educadora desde jovem, mesmo em condições difíceis como a guerra levado a cabo na Comuna de Paris e o exílio, foi capaz de reinventar a prática educativa acreditando no papel revolucionário da educação que serve de exemplo e legado para as novas gerações.
São diversas as homenagem que Louise Michel recebeu e ainda recebe em reconhecimento de sua luta. Até 1916 , todo aniversário de sua morte era lembrado junto ao seu túmulo em Levallois-Perret. Durante a Guerra Civil Espanhola, em 1936, um batalhão de Brigadas Internacionais composto por voluntárias francesas e belgas recebeu o nome de “Louise Michel”. Em setembro de 1937 a estação do Metro de Paris localizada em Lavallois -Perre recebeu seu nome em homenagem. Frequentemente seu nome é dado a escolas e jardins de infância em Paris.
Em 28 de fevereiro de 1975 em sua homenagem a praça Wiilette recebeu seu nome. Também em sua homenagem recebe o nome de “Louise Michel” um importante prêmio conferido pelo centro de Estudos Políticos e Sociais em Paris, destinado aqueles que mais se destacam na promoção e diálogo e democracia na França.
Placa inaugurada em 2000 em lembrança dos 120 anos do retorno de Louise à Paris em 1880. A Louise MICHEL militante da Comuna deportada para Nova Caledônia. Anistiada, ela retornou pro Dieepe, em 9 de Novembro de 1880. "Ela é foice, trigo maduro para pão branco" Paul Verlaine
Placa inaugurada em 2000 em lembrança dos 120 anos do retorno de Louise à Paris em 1880. A Louise MICHEL militante da Comuna deportada para Nova Caledônia. Anistiada, ela retornou pro Dieepe, em 9 de Novembro de 1880. "Ela é foice, trigo maduro para pão branco" Paul Verlaine
Em 2005 foi comemorado o centésimo aniversário da morte de Louise Michel, na ocasião duas conferência prestaram homenagem. O evento reuniu 22 especialistas na vida e obra de Louise que trataram de sua personalidade. Na ocasião ainda foi encenada uma peça teatral escrita por Pierre Humbert.
Comuna de Paris
A Comuna de Paris (18 de Março/28 de Maio de 1871) foi a primeira revolução em que classe operária partiu “ao assalto dos céus”(Marx) por reconhecidamente ser a única que era capaz de iniciativa social e política.
A Comuna de Paris não aparece por geração espontânea. As suas raízes históricas mais próximas encontram-se na Revolução Francesa, nos seus episódios mais decisivos como a Tomada das Tulherias, o fim da monarquia, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, preâmbulo da nova Constituição. É a herdeira política da ala mais radical dirigida por Robespierre que acaba guilhotinado pelos conjurados corruptos do Thermidor. Mas também na Conspiração para a Igualdade (1796) de Babeuf. Na insurreição de 1848, afogada num banho de sangue que se propagou pela Europa no ficou conhecido pela Primavera dos Povos. Uma longa linha de lutas e insurreições operárias no séc. XIX. Será a última desse século, a primeira a triunfar, mesmo que por um pequeno lapso de tempo, em que, se ergueram em simultâneo as bandeiras do patriotismo e do internacionalismo. Um marco histórico para as revoluções que lhe sucederam, nomeadamente a Revolução de Outubro. Foi a primeira revolução socialista da história da humanidade.
História da Comuna de Paris
Paris vivia situação turbulenta depois de Napoleão III ter assinado a rendição na guerra entre a França e a Prússia. A revolta era generalizada. Os operários franceses que viviam sob duras condições de trabalho se já não concordavam com a rendição da França mais revoltados ficaram quando o governo, para resolver os custos da guerra, lançou novos impostos sobre os trabalhadores para solucionar os problemas das dívidas contraídas.
A revolta estalou apoiada na Guarda Nacional, maioritariamente formada por operários, a que se juntaram milícias populares de cidadãos e soldados que se amotinaram. Um governo revolucionário foi organizado na base de comités de bairro que elegeram um Comité Central, onde figuravam representantes da Federação dos Bairros, blanquistas, proudhonistas, membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, por impulso de Karl Marx. Confluíam várias tendências políticas dos socialistas aos anarquistas, proletariado e pequena burguesia, artistas e escritores. O vácuo político deixado pelo governo que, impotente para conter a revolta, tinha fugido para Versalhes, foi ocupado pelos revolucionários.
A Comuna foi proclamada. A seu primeiro édito é esclarecedor: “a abolição do sistema de escravidão do salário de uma vez por todas”. O sistema eleitoral sofreu uma viragem radical. A democracia directa foi instituída em todos os níveis da administração pública. A polícia foi abolida e substituída pela Guarda Nacional. A educação foi secularizada, a previdência social foi instituída. O poder da burguesia foi posto em causa. O alarme na Europa não podia ser maior.
O governo de Thiers, depois de ter sido humilhado pela Prússia com a coroação do imperador Guilherme II no palácio de Versalhes, negociou com o Império Alemão a libertação dos soldados franceses para recompor o exército e atacar Paris. A desproporção de forças não podia ser maior. 100 000 soldados a mando de Versalhes contra 18 000 milicianos da Comuna. A cidade, apesar de heroicamente defendida, foi tomada de assalto. A repressão que se seguiu foi de uma imensa brutalidade, como tem sido sempre, ontem e hoje, contra quem ousa afrontar mesmo pelo uso do voto o poder instituído, como se assistiu no Chile ou quando na Indonésia, Suharto massacrou um milhão de militantes comunistas que ameaçam vencer as eleições.
20 000 comunards foram imediatamente executados. 40 000 foram presos, torturados e executados. Esses eram os considerados “contumazes” pelos Conselhos de Guerra de Versalhes que julgaram e condenaram 13 450 cidadãos. Contam-se nos autos 80 crianças, 1320 mulheres, 12 050 homens. O número de mortos às mãos do governo de Thiers é calculado em 80 000.
A Comuna de Paris acabou por ser uma causa desesperada. Uma causa indispensável na luta de massas pelo que se aprendeu para lutas futuras. Os canalhas burgueses de Versalhes colocaram os Parisienses perante uma alternativa: ou respondiam ao desafio ou sucumbiam sem combate. Neste último caso, a desmoralização da classe operária seria uma desgraça maior que a perda de um qualquer número dos seus chefes (Marx /Guerra Civil em França)
Apontar para o Futuro
Pela primeira vez na História da Humanidade, simples operários ousaram tomar nas suas mãos os privilégios dos que se julgam seus “superiores naturais”. Ousaram formar com os seus iguais, o seu próprio governo. É admirável a actividade legislativa da Comuna. Em semanas introduziu mais reformas, que os governos nos dois séculos anteriores. Era o ímpeto revolucionário de corte radical com o passado, o triunfo dos sans-culotes sobre os jacobinos que os tinham traído na Revolução Francesa.
Enumerar os principais decretos da Comuna de Paris é revelador do que era novo porque, como escreveu Rimbaud, “é preciso ser resolutamente moderno, aguentar o passo dado”. A Comuna não recuou em muitos passos para o futuro ainda hoje actuais. O trabalho nocturno foi abolido; oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas; residências vazias foram desapropriadas e ocupadas; todos os descontos em salário foram abolidos; a jornada de trabalho foi reduzida, chegou-se a propor a jornada de oito horas; os sindicatos foram legalizados; instituiu-se a igualdade entre os sexos; projectou-se a autogestão das fábricas; o monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos; testamentos, adopções e a contratação de advogados tornaram-se gratuitos; o casamento foi simplificado, tornou-se gratuito; a pena de morte foi abolida; o cargo de juiz tornou-se electivo; o Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser propriedade do Estado; a educação tornou-se gratuita, laica e obrigatória; escolas nocturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de frequência mista;
a Bandeira Vermelha foi adoptada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade; instituiu-se um escritório central de imprensa; o serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos; todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos; traçou-se um plano para a rotação de trabalhadores; organizou-se uma Escola Nacional de Serviço Público; os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras; o salário dos professores foi duplicado; o internacionalismo foi posto em prática: o fato de ser estrangeiro não era irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, polacos, húngaros, que defenderam mais patrioticamente a França que os vendidos aos interesses particulares na esteira do bispo Cauchon que entregou Joana D’Arc aos ingleses ou dos que actualmente rastejam às ordens do grande capital sem pátria.
Ensinamentos para Hoje e Amanhã
A Comuna tem um papel de relevo na elaboração da teoria revolucionária em Marx, Engels e Lenine. O ensaio de Marx, A Guerra Civil em França, é um livro maior. O texto de Marx, tem a particularidade de depois de, em 1870, ter feito vários avisos à classe operária sobre os perigos de acções prematuras, evidenciar um enorme entusiasmo com a Comuna sem deixar de criticar os seus erros, as suas fragilidades. Ao analisar as debilidades políticas da direcção comunard não coloca em causa a Comuna. O seu objectivo é retirar lições da derrota para robustecer a resistência, as futuras revoluções. Via nessa experiência histórica um alcance imenso.
“Seria evidentemente muito cómodo fazer história se só se devesse travar a luta em condições infalivelmente favoráveis (…) Graças ao combate travado em Paris a luta da classe operária contra a classe capitalista e o seu Estado capitalista entrou numa fase nova (…) Qualquer que seja a maneira como as coisas aconteçam no imediato será um ponto de partida de importância histórica mundial.” (…) “Um passo em frente da revolução proletária universal, um passo real, bem mais importante que centenas de programas e de raciocínios” Marx, livro citado.
Em 1917 com a Revolução de Outubro em marcha, Lenine escreve O Estado e a Revolução, ensaio central na sua vasta obra política. A Comuna de Paris, os textos de Marx são o ponto de partida para as suas teses sobre a natureza de um Estado Socialista, em que não basta apoderar-se do Estado e fazê-lo funcionar para os seus próprios fins. Exige-se a sua transformação impondo a democracia proletária (ditadura do proletariado) contra a democracia burguesa (ditadura da burguesia). Democracia burguesa que não hesita em recorrer à mais feroz repressão, quando a sente necessária para a sua sobrevivência. Em que, mesmo “na mais democrática das repúblicas, a mais ampla democracia representativa, nunca conseguirá eximir-se às consequências devastadoras que é a separação entre representantes e representados. Separados desde logo económica e socialmente, permite que os representantes manipulem os representados de acordo com os seus próprios interesses”.(O Estado e a Revolução, Lenine) Na realidade, ontem como hoje, a liberdade não é igual entre todos. A liberdade de um trabalhador, por razões sociais e económicas, não é igual à de um capitalista, o que levou Orwell a considerar que “para sermos corrompidos pelo totalitarismo não é necessário viver num país totalitário”.
Essas as grandes lições da Comuna de Paris. Uma experiência revolucionária impar na luta milenar das lutas do proletariado e dos povos oprimidos. Uma chama de esperança revolucionária na longa história, feita de êxitos e fracassos, da luta pela transformação do mundo e da vida.
pracadobocage.wordpress.com
União das Mulheres na Comuna de Paris - A organização das mulheres na primeira revolução proletária da História
"O ódio da burguesia à Comuna de Paris começou no próprio dia da sua proclamação, com toda a artilharia de cúmplices, jornalistas, padres, intelectuais, escritores/as e habituais fazedores de opinião. Os escritores notáveis posicionaram-se todos de forma aberta e virulenta contra a Comuna, à excepção de J. Vallès, A. Rimbaud, P. Verlaine e Villiers de l’Isle Adam. Nos discursos anti-Comuna as metáforas mais usuais aludem à bestialização e à doença – «animais ferozes», «urros selvagens», «epilepsia social», «febre epidémica»… Com imagens essencialistas e patológicas pretenderam destruir o sentido do acontecimento, retirar-lhe o conteúdo ideológico, despolitizá-lo.E às mulheres, foi reservado um destaque particular: elas foram constantemente enxovalhadas, comparadas a «lobas», «hienas», «fanáticas», «imagem do crime e do vício», «bêbedas, debochadas, viragos, gatunas, de má vida…». As «pétroleuses», mulheres incendiárias, armadas de archote numa mão e de vasilha com petróleo na outra, foi abundantemente publicada na imprensa, uma imagem inventada pela calúnia reacionária que também serviu para esconder o efeito destrutivo das bombas incendiárias do exército de Versalhes, e para justificar o massacre e a condenação de muitas operárias."
Elas estão em todo o lado na defesa da Comuna e da revolução – nas oficinas, nas ambulâncias e cantinas, nos hospitais, clubes e associações, na redação de jornais e comités, nas escolas e nas barricadas – Chignon, Collin, Diblanc, Dmitrieff, Jaclard, Jacquier, Lachaise, Leloup, Le Mel, Marcand, Marchais, Michel, Perrier, Reclus, Suétens, Verdure, são alguns apelidos das centenas que participaram ativamente na primeira revolução proletária. Lavadeiras, costureiras, escoveiras, encadernadoras, cantineiras, sapateiras, combatentes e artilheiras, socorristas e enfermeiras, operárias, mestres, intelectuais e até aristocratas, sem excepção, foram condenadas, fuziladas, deportadas, exiladas, caluniadas.
Pouco dias depois da proclamação da Comuna, trabalhava-se para constituir a (também) primeira organização de mulheres da História. A União das Mulheres foi uma das maiores associações da Comuna, distinta de qualquer outro movimento feminino pela sua importância numérica, pelo recrutamento jovem e operário, pelo funcionamento rigoroso e democrático, pela orientação marxista. Tal como acontecia aos elementos da Comuna, a maioria das mulheres mais destacadas da União tinha ligações à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) e estava associada ao movimento socialista francês, integrando as suas diversas correntes políticas.
Nathalie Le Mel e Elisabeth Dmitrieff são as dirigentes que mais dinamizaram a União. A primeira, com 45 anos, é operária numa oficina de encadernação e aderiu à AIT em 1866, e na União ocupa-se principalmente das questões sociais. A segunda, com 20 anos, é uma revolucionária da secção russa da AIT. Meses antes, visitara Marx, em Londres, e este envia-a a Paris como representante do Conselho Geral da AIT. É precisamente com a sua chegada, no dia seguinte à proclamação da Comuna, que se iniciam as reuniões preparatórias que irão conduzir à constituição da União das Mulheres, onde Dmitrieff se ocupa das questões políticas, e em particular das medidas socialistas contra a exploração do trabalho das mulheres.
No Jornal Oficial de 11 de Abril é publicado um extenso Apelo às Cidadãs: sem direitos não queremos deveres, queremos trabalho sem exploradores e sem patrões – o meio para defender estes objectivos é lutar contra o inimigo. Termina com um convite para a reunião onde se decidirá da formação dos Comités de Arrondissements (divisão administrativa urbana) e da organização do movimento de mulheres para a defesa de Paris. Subscrevem-no: Nathalie Le Mel (encadernadora), Elisabeth Dmitrieff, Marceline Leloup (costureira), Blanche Lefèvre (lavadeira), Aline Jacquier (encadernadora), Thérèse Collin (sapateira) e Aglaë Jarry. Nessa noite é formalmente constituída a União das Mulheres para a Defesa de Paris e o Cuidado dos Feridos e são estabelecidos os 20 Comités de Distrito.
Três dias depois, os estatutos subscritos pelas «cidadãs delegadas membros do comité central das cidadãs, Adélaïde Valentin, Noémie Colleuille, Marcand, Sophie Graix, Joséphine Pratt, Céline Delvainquier, Aimée Delvainquier, Elisabeth Dmitrieff», todas operárias à excepção de Dmitrieff, são publicados em diversos jornais.
É definido o dever imediato: combater pela «grande causa do povo, pela Revolução», «resistência colectiva de toda a população» para assegurar o triunfo da luta para a «renovação social completa, assegurando o reinado do trabalho e da justiça». Mas sobretudo, se tomarmos em consideração as pronunciações que até aí se reclamavam do feminismo, uma nova e explícita referência à igualdade – quem se aproveita do antagonismo (criado e mantido) entre homem e mulher?
«A Comuna representa o grande princípio proclamando a eliminação de todo o privilégio, de toda a desigualdade – e por isso, deve ter em conta as reclamações justas de toda a população, sem distinção de sexo – distinção criada e mantida pela necessidade de antagonismo sobre o qual se apoiam os privilégios das classes governantes».
O programa da União exige a educação das raparigas e a sua formação profissional, a educação gratuita e laica para todas as crianças. As revolucionárias peticionam à Comuna a criação de orfanatos laicos, de creches para ajudar as mães solteiras a não cair na prostituição, e a substituição das religiosas dos hospitais e das prisões. A prostituição considerada como «forma de exploração comercial de criaturas humanas por outras criaturas humanas» é banida pela Comuna.
O trabalho das mulheres
Em França, as mais exploradas dos explorados representavam 33 por cento da população activa, concentradas nas manufacturas têxteis, ao domicílio e nas oficinas, em outras actividades artesanais, como o calçado e a encadernação, e também nas minas ou na construção do caminho-de-ferro, com jornadas de trabalho de 14 horas, ou mais, em condições sub-humanas e com salários de miséria. Uma miséria negra que só a prostituição ocasional poderia atenuar…
O Programa da União destaca o valor social e económico do trabalho das mulheres e a formação de comités locais para organizar o movimento de mulheres na defesa de Paris.
A Comissão Executiva do Comité Central da União foi eleita pelas representantes de cada Distrito, e foram recrutadas mais de mil socorristas (empregadas de ambulância) que ganhavam o mesmo salário e a mesma ração que os homens da Guarda Nacional – salário igual para trabalho igual, o mesmo princípio que fixou o salário nas oficinas municipais e de professoras e professores.
Para as medidas de protecção social e do trabalho das operárias Élisabeth Dmitrieff tem a ajuda do delegado eleito da Comissão do Trabalho e do Comércio da Comuna, Léo Frankel, ourives, sindicalista francês de origem húngara e membro da AIT.
Apoiando-se mutuamente, escrevem o relatório «O trabalho da mulher sendo o mais explorado, a sua reorganização imediata é urgente». Em Maio, a União das Mulheres inicia uma acção de organização do trabalho das mulheres, para retirar «o trabalho do jugo do capital» com a constituição das «associações produtivas livres», a «diminuição das horas de trabalho», cuidando da supressão de toda a concorrência entre os «trabalhadores dos dois sexos» tendo em conta o seu interesse comum.
Ambos consideram que organização de classe das trabalhadoras está ainda numa fase embrionária e dirigem apelos às operárias para a sua sindicalização.
Nas barricadas contra a invasão
No dia 20 de Maio, foram afixados os apelos para a «formação definitiva dos sindicatos femininos», a União convida as operárias de todas as corporações para a reunião de constituição dos sindicatos das trabalhadoras. A reunião é marcada para o dia seguinte… mas começam os combates contra as tropas de Versalhes, e Dmitrieff teria de lançar outro apelo: «É preciso reunir todas as mulheres, às barricadas!»
A defesa das barricadas de Clignancourt, de Batignolles, rua Lepic, Racine, École de Médecine, da Place Blanche e de Pigalle, esteve a cargo das mulheres do Comité de Vigilância das Cidadãs, dos Comités de Distrito e do Comité Central da União das Mulheres, entre elas, Anne Poustovoïtova, Béatrix Excoffon, Blanche Lefebvre, Elisabeth Dmitrieff, Louise Michel, Malvina Poulain, Marguerite Diblanc e Nathalie Le Mel.
A 25 de Maio, depois de a Guarda Nacional ter abandonado a barricada da rua Château-d’Eau, um batalhão de 52 mulheres armadas retomou o combate com gritos «Viva a Comuna!». Cercadas e desarmadas foram de imediato fuziladas. A 600 metros, na barricada Folie Méricourt, outras 50 combatentes foram também chacinadas.
O período de 21 a 28 de Maio ficará conhecido pela «semana sangrenta», homens e mulheres, crianças e velhos defendem nas últimas barricadas a bandeira vermelha da Comuna, e só os/as operários/as se mantiveram fiéis até ao fim.
Foi o massacre sistemático dos revolucionários – são mortos mais de 20 mil. Não chegava vencer a insurreição, era preciso castigar e fazer da revolução um banho de sangue. A burguesia europeia aplaude…
Adolphe Thiers, chefe do governo de Versalhes, proclama: «Agora o comunismo está morto para sempre!». Thiers, o carniceiro do povo de Paris, dos combates sangrentos, das execuções sumárias, das prisões arbitrárias, dos processos expeditos de condenação à morte, das deportações… Foram a julgamento cerca de mil mulheres, a maioria foi condenada, mais de 750 eram operárias.
O ódio da burguesia à Comuna de Paris começou no próprio dia da sua proclamação, com toda a artilharia de cúmplices, jornalistas, padres, intelectuais, escritores/as e habituais fazedores de opinião. Os escritores notáveis posicionaram-se todos de forma aberta e virulenta contra a Comuna, à excepção de J. Vallès, A. Rimbaud, P. Verlaine e Villiers de l’Isle Adam. Nos discursos anti-Comuna as metáforas mais usuais aludem à bestialização e à doença – «animais ferozes», «urros selvagens», «epilepsia social», «febre epidémica»… Com imagens essencialistas e patológicas pretenderam destruir o sentido do acontecimento, retirar-lhe o conteúdo ideológico, despolitizá-lo.
E às mulheres, foi reservado um destaque particular: elas foram constantemente enxovalhadas, comparadas a «lobas», «hienas», «fanáticas», «imagem do crime e do vício», «bêbedas, debochadas, viragos, gatunas, de má vida…». As «pétroleuses», mulheres incendiárias, armadas de archote numa mão e de vasilha com petróleo na outra, foi abundantemente publicada na imprensa, uma imagem inventada pela calúnia reacionária que também serviu para esconder o efeito destrutivo das bombas incendiárias do exército de Versalhes, e para justificar o massacre e a condenação de muitas operárias.
Ao primeiro governo operário da História coube o «mérito de ter tomado as primeiras medidas verdadeiramente a favor da emancipação da mulher» (Conferência do PCP «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril», 1986).
O exemplo do primeiro governo operário autenticamente popular foi particularmente valorizado por Marx, Engels e Lénine quanto à questão do Estado. A Comuna provou que «a classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina do Estado [que encontra] montada e pô-la em movimento para os seus objectivos próprios» (K. Marx, F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, Prefácio à Edição Alemã, 1972) – é necessário criar um novo tipo de Estado, «transformar os meios de produção, a terra e o trabalho, em instrumentos do trabalho livre e associado».
Lénine refere a falta de uma «organização política séria do proletariado», sem grandes sindicatos ou associações cooperativas, e sobretudo a falta de tempo – a Comuna só teve tempo para pensar na sua própria defesa. Todas as medidas de carácter prático e toda a legislação social da Comuna, corresponderam ao que designou por «programa mínimo do socialismo» (A Comuna de Paris e as Tarefas da Ditadura Democrática, 1905).
Tal como a emancipação da classe operária não poderá ter lugar no quadro do capitalismo (Karl Marx), também «a emancipação da mulher, como a de todo o género humano, só se tornará realidade no dia em que o trabalho se emancipar do capital» (Clara Zetkin).
Fonte: Avante
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