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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

E quando há democratas que não gostam de liberdade?


 


www.tsf.pt /


Há duas semanas, saiu esta notícia: os jornalistas Henrique Machado e Carlos Rodrigues Lima estiveram a ser seguidos durante três meses e foram vigiados pela polícia, a mando do Ministério Público. Uma conta bancária também foi vasculhada.

A Justiça queria saber quem eram as pessoas que forneciam aos jornalistas informações que estavam em segredo de justiça e, presumo, se pagavam por isso.

Foi grande o burburinho. Correu tinta e ocupou telejornais. Há inquéritos e audições em curso... Mas passaram duas semanas: entre presidenciais, a aflição e a tristeza muito mais premente da pandemia, o tema, agora, arrisca-se a cair no esquecimento.

Eu, porém, não o esqueci e o culpado é o notável jurista e constitucionalista Vital Moreira.

Num texto publicado no blogue Causa Nossa, Vital Moreira rebela-se contra os abusos da liberdade de imprensa, acha que os jornalistas que publicam notícias em segredo de justiça devem ser acusados pelo Ministério Público, mesmo se não se souber quem lhes passou as informações. Infelizmente, há muita gente poderosa ou influente que pensa como Vital Moreira.

O jurista, nesse texto, defende ainda que o segredo de justiça está explicitamente protegido pela Constituição.

Fui ver.

No artigo 20, a Constituição escreve cinco parágrafos sobre, vou explicá-lo em linguagem corrente, o direito de ter acesso a uma justiça que funcione bem para todos os cidadãos.

No primeiro parágrafo desse artigo 20, a Constituição promete acesso à justiça, mesmo a quem não a possa pagar.

No segundo parágrafo, a Constituição promete que todos terão acesso à defesa de um advogado.

No quarto parágrafo, prometem-se decisões na justiça em tempo razoável e com um processo equitativo.

No quinto parágrafo, a Constituição promete prioridade e celeridade da justiça quando estão em causa direitos, liberdades e garantias pessoais.

Saltei o terceiro parágrafo. É o mais curto. Vou transcrevê-lo todo: "A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça". Pronto, é só isto...

É, portanto, o único de todos estes cinco parágrafos onde nada se promete: os políticos podem "adequar" a legislação sobre proteção do segredo de justiça como quiserem, a Constituição não lhes impõe qualquer limite, nem para mais, nem para menos...

Fui também ver, já agora, o que a Constituição diz sobre liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade de imprensa e comunicação social. São três artigos, 13 parágrafos e 10 alíneas. É muito texto. É muita preocupação. É uma questão central.

Numa dessas alíneas, diz-se que os jornalistas têm direito de "acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais".

Eu não sou jurista, mas o que sei de língua portuguesa parece-me suficiente para interpretar isto de uma única forma: a Constituição, que Vital Moreira tanto preza, dá muito mais importância à proteção do sigilo profissional dos jornalistas do que à proteção do segredo de justiça.

Odeio que se queimem nos jornais reputações de pessoas antes de haver, sequer, uma acusação judicial; acho que a violação do segredo de justiça é um problema grave; acho, também, que o segredo de justiça continua a ser usado com absurdo abuso por parte das autoridades para esconder, demasiadas vezes, o que já devia ser público.

Tenho a certeza que no dia em que, como pretende Vital Moreira, se começarem a prender jornalistas, mesmo os piores, por violarem o segredo de justiça, todo o país será menos livre e, passado algum tempo, muito mais corrupto.

Deixo a pergunta retórica: se tivéssemos de optar entre acabar com a liberdade de imprensa e acabar com o segredo de justiça, o que é que escolhíamos?...

Na sexta-feira, um rapper espanhol, Pablo Hasel, foi condenado a nove meses de cadeia, prisão efetiva. Já não pode recorrer.

Ele foi condenado porquê? Porque numa ou em várias das suas canções ofendeu a Casa Real espanhola.

Se fosse na China ou na Rússia, já estava por aí uma berraria. Em Espanha, a supostamente democrática Espanha, a Espanha da União Europeia, a nossa vizinha Espanha, já vai na terceira condenação de cantores por estes acusarem a monarquia de ser corrupta e vejo muito poucos arautos da liberdade preocupados com isso.

A liberdade de expressão e de imprensa não estão, portanto, garantidas, é preciso mesmo defendê-las, não só dos inimigos óbvios, mas, sobretudo, dos supostos democratas que acham que a honra de um rei ou o manipulado segredo de justiça valem mais do que o direito à indignação e o direito à notícia que incomoda poderosos. 

Ouça aqui Pedro Tadeu



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