terça-feira, 1 de junho de 2021

A: apropriação cultural



A
Apropriação Cultural



Tudo é cultura e toda a cultura é apropriada, pelo que não pode nem deve ser considerada propriedade de ninguém. Não há culturas “autênticas” nem muito menos “puras”: esse é um mito da extrema-direita. Os portugueses são culturalmente berberes, árabes, fenícios, romanos, franceses, ingleses, visigóticos, gregos e bantus. O multi-culturalismo é, portanto, a antítese da apropriação cultural.

Claro que é sempre ridículo quando um famoso de Hollywood se mascara de nativo americano. Claro que a indústria da moda insulta a humanidade com a tendência “refugee chic”. Mas o verdadeiro problema não é a insensibilidade ou a ignorância da Adele ou da Katy Perry. O debate sobre a apropriação cultural redunda, quase sempre, numa discussão inócua o que é que os brancos não deviam fazer, quando a discussão que importa não tem a ver com os comportamentos individuais, mas com as condições e os meios na raiz dessas desigualdades. Estes são meros sintomas de uma dinâmica de poder político e económico que cilindra culturas periféricas para depois as reciclar como caricaturas de si mesmas para consumo na metrópole. Mas o que interessa não é se os brancos ricos gostam de música negra ou se os indianos usam penteados jamaicanos. O que nos deve preocupar é que o imperialismo retira aos jamaicanos os meios culturais, sociais e económicos para afirmarem a sua cultura em condições de igualdade com os europeus. O problema é que a hegemonia cultural do capitalismo transforma a alma da cultura dos povos em mercadorias sem alma. E isso não se combate com o fechamento das culturas em redomas de pureza étnica, evitando comer comida japonesa ou policiando a roupa e a linguagem uns dos outros. É preciso combater a globalização do capitalismo e do mercado com a globalização do socialismo, da partilha, da compreensão e da solidariedade.

Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um instrumento rápido para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.




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