A ferro e fogo
DENTRO de alguns dias, vai aparecer em português o desabafo de uma norte-americana que nos avisa de estarmos sujeitos às malfeitorias do “homem mais perigoso do mundo”. Ela chama-se Mary Lea Trump e é psicóloga clínica de formação, além de sobrinha de um “sociopata” que vê tudo em função do dinheiro. Dinheiro que, por muito que seja, sempre acha insuficiente. Mas ele é presidente dos EUA. É aquele que mandou o seu embaixador em Lisboa ameaçar Portugal por causa dos negócios com a China. Chama-se Donald Trump, já fez a sul grande parte do “muro da infâmia” e considera uma insignificância os mais de 200 mil mortos que, segundo “The New York Times”, já resultaram da resposta errada à covid-19.
A sobrinha define-o como uma pessoa cruel e sem princípios e que gasta centenas de páginas a explicar porquê. Será preciso? Para os que necessitam de saber tudo (quanto mais horrível, melhor), para os que têm de estar informados de modo a poderem opinar com segurança e para os leitores do “Correio da Manhã” que não sejam completamente analfabetos, sim. Para mim, não conheço da História este tipo de predadores e até sei de alguns que, não tendo sido grandes rezes, foram, no entanto, acusados de crimes que não cometeram. E deixaram obra que Trump apenas saberia destruir.
Estou a pensar em Calígula e em Nero, os mais trumpistas dos imperadores romanos.
Dizem os historiadores mais credíveis que Calígula, o “Botinhas” - que ficou com esta alcunha por ser filho de um general e gostar de andar em miúdo com sandálias da tropa, as cáligas -, era, sobretudo, um governante com grandes ideias e com obra notável a nível urbanístico e administrativo. Apesar da crise económica com que teve de lidar, promoveu numerosos projectos de construção e Roma mudou qualitativamente durante o seu reinado. Alguns destes edifícios eram públicos, mas, na sua maioria, foram erigidos com um fim privado. A doença que o acometeu tornou-o cruel e caprichoso. Lembram-se da lenda do cavalo que ele fez senador? Atenção, que nós temos um muito mais perigoso, o Ventura da coelha.
Já agora, que fique a saber quem não sabe que o mais ambicioso dos projectos de Calígula foi o de escavar um canal através do istmo de Corinto na então província romana da Acaia (actualmente Grécia). Morreu antes dos primeiros buracos, assassinado. Efectuou também um espectacular trabalho de engenharia, a famosa ponte temporária que ligava os portos de Baias e Petéolos, empregando barcos e antecipando, assim, em dois mil anos. a fatídica “ponte das barcas” que se afundou no Douro há cerca de 200 anos.
Quanto a Nero, é o mais caluniado dos governantes da Antiguidade, por especial rancor dos seus adversários coevos e, sobretudo, pelos escrevinhadores e pregadores católicos medievais que não olharam a meios para reescrever a História. Foram ao ponto de o pôr a tocar harpa enquanto Roma ardia.
Só que os historiadores mais credíveis sempre desmentiram estas atoardas.
Tácito, por exemplo, afirma categoricamente que Nero nem sequer estava em Roma quando o célebre incêndio começou. Banhava-se no balneário de Anzio, a uns 60 km de distância, num tempo em que nem táxis havia. Informado do caso, voltou para a cidade e tomou medidas para deter o fogo e socorrer os desabrigados. Mandou vir de Óstia e das cidades vizinhas suprimentos e alimentos, além de ordenar a redução do preço do trigo. Mandou abrir jardins, edifícios públicos (como as termas, as basílicas e o Panteão) para acomodar os sem-abrigo do momento.Depois de seis dias, com o fogo vencido, começou a limpeza das áreas destruídas.
Segundo Tácito, dos 14 distritos de Roma, três foram completamente devastados – entre eles, o Palatino e o Circo Máximo – e, outros sete, reduzidos a ruínas queimadas. As chamas destruíram partes do próprio palácio de Nero, o Domus Transitoria que ele tinha acabado de construir e decorar com tesouros da arte grega, e que se perdeu completamente. Nero mandou recuperar parte da decoração de mármore para seu novo palácio, o Domus Aurea cujos frescos eram semelhantes aos do palácio destruído. Domus Aurea foi erguido a 1 km do local onde o incêndio começou. Se Trump soubesse ler mais que cifrões, ia ficar doente de inveja, porque o falsamente sádico Nero não se limitou a perseguir os cristãos, que perseguiu, de facto, mas também deixou obra, ao contrário do “sociopata” de Washington que pouco mais deixará que devastação, além de perseguir mexicanos e outros latino-americanos.
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