segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Epístola sobre o que celebramos hoje - Carlos Matos Gomes



cmatosgomes46.medium.com 

Epístola sobre o que celebramos hoje

Todos os Santos. Há festa no Olimpo.

A ideia de a Igreja Católica Romana, através do Papa Bonifácio IV, no século sétimo, de dedicar o Panteão dos deuses romanos a todos os santos do cristianismo, de promover um festival de santos, o que na neolinguagem poderia ser uma Rave de santidade, foi e é, porventura, bem intencionada, mas não deixa de ser desanimadora.

Olhando a história da humanidade, e não só o seu presente, desde há quinze séculos que em vez de esperança, apesar dos esforços e sacrifícios de todos os santos, mártires, virgens, doutores, o que temos é um percurso do homem lobo do homem e predador da natureza. Os santos não conseguiram que o homem ganhasse, se não bondade e virtude, pelo menos juízo.

Este dia de Todos os Santos de 2021 não é diferente dos anteriores e não será, presume-se, diferente dos do futuro. No caso, todos os grandes santos do momento estiveram reunidos na cimeira do G-20 e partiram em voo de Roma para Glasgow, a fim de tratarem das ameaças das alterações climáticas que os santos que estiveram nas anteriores celebrações causaram com a sua ganância e perversidade, explorando recursos até os humanos comuns, os que não obtiveram reconhecimento de santidade, terem decidir se querem desaparecer afogados ou gaseados.

Entretanto, os atuais santos e os seus arcanjos, os que à volta deles surgem nos ecrãs de televisão e nas páginas de jornais gordinhos, a tocar trombetas, já fizeram desaparecer das preocupações as tristes figuras que lhes poderiam entortar a auréola dourada que paira sobre as suas cabeças e borrar as asinhas que os fazem flutuar.

De repente, os santos do momento, através dos seus mágicos manipuladores da realidade, fizeram desparecer as vergonhosas imagens do Afeganistão, por exemplo. Como estarão os homens e mulheres do Afeganistão a celebrar o dia de Todos os Santos? E os migrantes do Mediterrâneo? E os sírios? E os palestinianos? E os hondurenhos e haitianos? Não há, como parece evidente, santos que lhes valham. Nem todos juntos.

Sendo os santos tão historicamente inúteis o que celebramos hoje nos vários templos e púlpitos? Que som sai dos sinos?


 

1 comentário:

  1. Excelente ponto de vista. E não é por rezarmos a Sta. Bárbara que acabam as trovoadas, deve vez em quando lá acerta na chuva.
    E isso de rezarmos, também, tem que se lhe diga, se não vejamos, embora considere o um tema melindroso.
    O homem através dos tempos, duma maneira ou outra, tem sempre feito "pedido aos deuses".
    Há uns tempos, mais concretamente em 1918, as pessoas iam a Fátima pedir a N.Sra. para acabar com a guerra (1914-18). Já bem no nosso tempo as pessoas iam a Fátima pedir a N. Sra. para o filhinho regressar são e salvo da guerra colonial (1961-1974), e porque não pediam, igualmente, para acabar com esta guerra?
    Pois foi, o fenómeno de Fátima aparece para deitar abaixo o regime republicano, que até concordou com a participação na guerra, e continuou em grande escala, mas com benevolência ao regime salazarista que derrubou os republicanos e já não querer saber da guerra colonial.
    Que estranha esta nossa senhora, quanto não vale o S. Martinho que ofereceu a sua capa a um pobre e por isso é lembrado com uma visita às adegas provar o vinho.

    ResponderEliminar