estatuadesal.com
Sem funcionários, a subsidiária irlandesa da Microsoft com “residência” nas Bermudas tem um lucro de 315 mil milhões de dólares, que corresponde a três quartos do PIB da Irlanda. Paga zero de impostos. Se a subsidiária, que cobra as licenças para utilização de software, pagasse na Irlanda seria a 12,5% de taxa de referência (a efetiva é mais baixa), abaixo de grande parte da Europa. Mas há sempre quem cobre menos ou nada.
Esta competição fiscal para atrair empresas é uma escolha política, não é uma consequência da globalização. E deixará de funcionar quando todos fizerem o mesmo. É um salto para um poço que inviabiliza o Estado Social, põe o fardo fiscal sobre o trabalho e obriga os países pobres a adiarem investimentos e a eternizarem o seu subdesenvolvimento.
Biden tem um só mandato para travar o regresso de Trump à Casa Branca, deixando a sua marca reformista. Não a continuação da contrarreforma iniciada nos anos 70, mas uma de sentido inverso, regulando a globalização e devolvendo ao Estado a sua função económica estratégica. Ou isto, ou a decadência norte-americana e europeia, entregando o futuro à China.
A sua proposta começou com o limite mínimo de 21% de impostos sobre as multinacionais. A motivação é egoísta: os EUA precisam de pagar a sua recuperação e de combinar a emissão monetária com outras fontes de financiamento. Querem cobrar 28% às multinacionais sem o risco que lhes fujam. O acordo ficou-se nos 15%.
Mas o diabo está nos detalhes — a que empresas e lucros se aplica, o que é taxado e com que critérios, quem fica a ganhar e a perder, a diferença entre taxa nominal e efetiva, o que acontece aos offshores. Não tenho excesso de otimismo, mas basta haver um primeiro acordo para se pôr o pé na porta. Extraordinário é que a União Europeia, incapaz de impor estas regras no seu mercado aberto, tenha de esperar pelos EUA para dar um primeiro passo. As suas reformas resumem-se a privatizar, impedir apoios públicos a empresas e desregular o mercado de trabalho, tendo como consequência um miserável desempenho económico.
Estamos a chegar ao fim do ciclo que se iniciou nos anos 70, fez os EUA regressarem a níveis de desigualdade dos anos 30 e está a pôr em perigo as democracias ocidentais. Chegou o momento de enterrar o legado de Thatcher e Reagan, que já nada tem de moderno, acabando com o dogma da liberdade irrestrita de movimento de capitais que a competição fiscal promove e estancando a sangria de recursos do trabalho e do Estado para o capital e do sector produtivo para o financeiro.
Não é IRC, mas, entre 2006 e 2018, os impostos pagos por Jeff Bezos mantiveram-se estáveis enquanto a sua fortuna se multiplicava por muito. Já o americano médio pagou sempre acima do seu enriquecimento.
E os defensores desta injustiça usam-na para tirar funções sociais ao Estado, prejudicando duas vezes os mesmos. Como disse o multimilionário Warren Buffett, temos vivido, nas últimas décadas, uma luta de classes e a dele venceu. Uma vitória tão esmagadora que põe em perigo o capitalismo em democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário