quinta-feira, 27 de maio de 2021

Os locais sagrados de Jerusalém são uma mistura volátil de religião e política

 


As disputas sobre o destino dos bairros palestinianos de Jerusalém 

desencadearam a mais recente onda de violência.


Monte do Templo

A Cúpula da Rocha na acrópole de Jerusalém, ou Nobre Santuário, como é chamada pelos muçulmanos, ou Monte do Templo, pelos judeus, ergue-se sobre as muralhas da Cidade Velha. Esta plataforma sagrada, juntamente com o Portão de Damasco e um bairro nas proximidades chamado Sheikh Jarrah, foram o palco de confrontos sangrentos nas últimas semanas.

FOTOGRAFIA DE CRAIG F. WALKER, THE DENVER POST/ GETTY IMAGES

Os mísseis, motins e ataques aéreos que agitaram Israel e os territórios palestinianos nas últimas semanas colocaram novamente um dos conflitos mais complexos do mundo nas notícias. Mais de 250 palestinianos e uma dúzia de israelitas morreram e milhares ficaram feridos antes do cessar-fogo declarado na quinta-feira.

A violência começou ao longo de um arco de mais de um quilómetro de extensão de túmulos, portões e santuários antigos em Jerusalém, estruturas que evocam emoções fortes entre judeus e muçulmanos. Localizados no setor leste da cidade, uma zona anexada por Israel em 1980 e que é considerada território ocupado pela comunidade internacional, estes locais servem como pontos focais na luta dos palestinianos, uma luta que visa conter as tentativas dos judeus de direita de se estabelecerem em áreas tradicionalmente árabes.

Os problemas começaram no dia 13 de abril, no início do mês sagrado do Ramadão, quando uma medida de segurança aparentemente insignificante teve repercussões sangrentas.

A polícia fronteiriça israelita limitou o acesso ao Portão de Damasco, uma entrada na zona norte da Cidade Velha que foi construída na década de 1530 pelo sultão otomano Solimão, o Magnífico. A estrutura original que fica por baixo foi escavada em 2013 e data do século II d.C. Esta era a entrada monumental da Jerusalém romana, abrindo-se para uma praça dentro de paredes com uma coluna encimada por uma estátua do imperador romano Adriano. A estátua desapareceu há muito tempo, mas a sua memória está preservada no nome árabe da estrutura: o Portão da Coluna. Os judeus chamam-lhe Portão de Siquém.

Portão de Damasco

As barreiras colocadas no Portão de Damasco, que vai dar à Cidade Velha de Jerusalém, irritaram os palestinianos que celebravam o mês sagrado do Ramadão e levaram a confrontos violentos com a polícia fronteiriça israelita.

FOTOGRAFIA DE MAHMOUD ILLEAN, ASSOCIATED PRESS

O portão não é um local sagrado, mas Nazmi Jubeh, arqueólogo e historiador da Universidade Birzeit, considera o portão “um símbolo da luta nacional palestiniana” porque é o principal elo entre o bairro muçulmano da Cidade Velha e os mercados e bairros árabes a norte. “Tem um valor folclórico e sentimental para muitos palestinianos”, diz Nazmi.

Nas últimas décadas, o portão também se tornou numa das entradas de eleição para a Cidade Velha para muitos judeus ultraortodoxos, também conhecidos por haredi. 

Israel impôs aqui uma forte presença de segurança nos últimos anos após uma série de ataques com facas, e em 2020 o município mudou o nome da pequena praça semicircular em frente ao portão para homenagear os polícias israelitas que ali morreram.

A praça, que é há muito tempo um ponto de encontro popular entre jovens e famílias palestinianas após o pôr do sol durante o Ramadão, foi este ano preenchida com barricadas que impediram os celebrantes de se reunirem. Os protestos palestinianos contra as restrições transformaram-se em confrontos violentos com a polícia. Os vídeos de jovens palestinianos a atacar os haredi alimentaram a ira dos judeus.

No dia 22 de abril, mais de cem palestinianos ficaram feridos em confrontos com a polícia israelita, que também teve dificuldades para conter uma multidão de extremistas judeus que tentavam chegar ao portão enquanto gritavam “Morte aos árabes”. De acordo com um repórter israelita presente no local, “a área tornou-se num anfiteatro de violência".

Enquanto isso, o partido palestiniano Hamas, que governa a Faixa de Gaza, começou a disparar mísseis contra Israel em retaliação ao que chamou de provocações israelitas em Jerusalém. No dia 25 de abril, a polícia israelita retirou as barricadas em torno do portão e os protestos acalmaram.

Porém, as tensões já estavam ao rubro em Sheikh Jarrah, o bairro predominantemente árabe que fica a norte do Portão de Damasco.

Manifestações de palestinianos contra as ações israelitas em Jerusalém

A ameaça de novas ordens despejos de habitantes árabes no bairro Sheikh Jarrah em Jerusalém gerou manifestações em Israel e nos territórios palestinianos, incluindo este comício na cidade portuária israelita de Haifa.

FOTOGRAFIA DE MATI MILSTEIN, ASSOCIATED PRESS

Conflitos no cemitério

Sheikh Jarrah era o médico de Saladino, o sultão que expulsou os cruzados cristãos de Jerusalém em 1187 d.C. e fundou a dinastia aiúbida. O médico foi sepultado na periferia norte da cidade, e o seu túmulo tornou-se num santuário que atrai sufis de todo o mundo muçulmano. Uma pequena aldeia árabe com o seu nome cresceu em torno do local.

Esta área já tinha sido usada como cemitério na época romana. 

O complexo funerário mais magnífico de Jerusalém, o Túmulo dos Reis, está localizado aqui, assim como uma série de túmulos atribuídos a sábios judeus e homens santos. 

Uma das tradições medievais alega que uma destas sepulturas escavadas na rocha perto do Túmulo dos Reis é a de Simeão, o Justo, um sumo sacerdote judeu que, de acordo com o Talmude, conheceu Alexandre, o Grande.

Em 1871, um arqueólogo francês que estava a examinar o referido túmulo encontrou uma inscrição que revelava que a sepultura era na verdade um local de sepultamento do século II, que abrigava os restos mortais da esposa ou filha de um centurião romano chamado Julius Sabina.

Grupos judeus que insistiam na sua santidade compraram o local cinco anos depois, e uma comunidade de algumas dezenas de famílias judaicas instalou-se em torno do túmulo no final do século XIX. Na época, o bairro estava repleto de vilas pertencentes a famílias árabes ricas, quando Jerusalém se começava a expandir para fora dos seus muros.

Quando o Estado de Israel foi declarado em 1948, a guerra com as nações árabes estourou, e Sheikh Jarrah ficou sob o controlo da Jordânia, uma área que se tornou em Jerusalém Oriental. 

Os habitantes judeus fugiram e os palestinianos deslocados para outros lugares devido ao conflito estabeleceram-se nas casas abandonadas. Em 1967, Israel conquistou e anexou Jerusalém Oriental.

Desde então, os colonos judeus têm tentado, com algum sucesso, usar os tribunais israelitas para expulsar os habitantes árabes das propriedades que eles reivindicam como suas. Por outro lado, os palestinianos não têm o direito legal de recuperar as suas casas anteriores a 1948.

“Sheikh Jarrah tem um significado histórico no que diz respeito à identidade nacional e religiosa de judeus e palestinianos”, dizem dois académicos israelitas, Lior Lehrs e Yitzhak Reiter, que estudaram a história deste bairro. “O conflito entre os dois grupos reflete um padrão crescente de assentamento judaico no coração dos bairros árabes em Jerusalém Oriental.”

Nos últimos anos, os judeus começaram a orar no túmulo com mais frequência e em maior número. A mistura volátil entre habitação, religião e política rapidamente atingiu o ponto de ebulição.

Nesta primavera, com o Supremo Tribunal israelita inclinado para optar pela expulsão de 58 palestinianos das suas casas em Sheikh Jarrah, as manifestações semanais de oposição a esta medida ganharam força. Durante um protesto no dia 9 de abril, a polícia israelita espancou violentamente um membro do Knesset, o parlamento israelita, que estava a participar numa ação pacífica.

No dia 6 de maio, membros de um partido judeu de extrema direita e palestinianos numa rua de Sheikh Jarrah começaram a trocar insultos e, de seguida, a atirar cadeiras e pedras. Esta pequena confusão rapidamente se transformou num enorme protesto muçulmano centrado no Monte do Templo de Jerusalém, um retângulo no lado sudeste da Cidade Velha que cobre mais área do que o Pentágono.

Cúpula de Pedra iluminada atrás dos muçulmanos

A Cúpula de Pedra está iluminada atrás dos muçulmanos durante a Laylat al-Qadr, ou a noite do destino, assinalando o momento em que Deus revelou o Alcorão pela primeira vez a Muhammad. Este santuário foi o local de confrontos sangrentos entre as forças de segurança israelitas e muçulmanos, antes e depois da celebração do dia 8 de maio.

FOTOGRAFIA DE MAHMOUD ILLEAN, ASSOCIATED PRESS
Nacionalistas israelitas agitam a bandeira da sua nação

Nacionalistas israelitas agitam a bandeira da sua nação durante uma marcha em 2011 pelas ruas de Sheikh Jarrah, um bairro tradicionalmente árabe, perto da Cidade Velha de Jerusalém, para celebrar a ocupação israelita de 1967.

FOTOGRAFIA DE MARCO LONG, AFP/GETTY IMAGES

O poder da plataforma

Poucos lugares no mundo estão tão imbuídos de história, política, religião e lenda. 

Vários templos tornaram esta zona no local de adoração mais importante do judaísmo até que os romanos destruíram o vasto complexo em 70 d.C.

Com a chegada do Islão no século VII, os primeiros regentes muçulmanos construíram a Cúpula da Rocha e a Mesquita de al-Aqsa para marcar o lugar onde acreditavam que o profeta Maomé tinha passado a sua noite no céu.

Os dois edifícios, dispostos numa atmosfera de parque com pátios, jardins e belas vistas, estão entre as estruturas islâmicas mais antigas e veneradas do mundo. Para os muçulmanos, que lhe chamam Santuário Nobre, ou simplesmente al-Aqsa, é o terceiro lugar mais sagrado do Islão, depois de Meca e Medina.

Em 1967, Israel tomou a acrópole e a declarou-a parte da capital israelita expandida. 

A plataforma em si permaneceu sob a autoridade muçulmana, mas foi colocada sob o controlo de segurança israelita. As tensões entre os fiéis e as forças de segurança israelitas crescem periodicamente, geralmente durante a época do Ramadão, quando dezenas de milhares de pessoas migram para al-Aqsa.

No rescaldo dos protestos no Portão de Damasco e em Sheik Jarrah, milhares de fiéis palestinianos reuniram-se na acrópole para orar e protestar contra as ordens de despejo. Um enorme contingente de soldados israelitas também estava presente, e a violência rapidamente eclodiu. No dia 7 de maio, mais de 200 palestinianos ficaram feridos, muitos deles por balas de aço revestidas de borracha e granadas de atordoamento, enquanto 17 polícias ficaram feridos em ataques feitos com garrafas, pedras e sapatos.

O dia 10 de maio assinalou o 54º aniversário da ocupação israelita de Jerusalém Oriental, quando os nacionalistas israelitas geralmente marcham pelas ruas da Cidade Velha a agitar bandeiras do país. Também era o dia agendado para o Supremo Tribunal decidir o caso das ordens de despejo de Sheikh Jarrah. A marcha foi cancelada e a decisão legal adiada, mas por esta altura a violência já estava fora de controlo. Os ataques com mísseis do Hamas levaram a uma retaliação israelita em Gaza.

Os motins rapidamente se propagaram pelas cidades mistas de judeus e árabes de Israel – um em cada cinco israelitas é árabe – e pela Cisjordânia ocupada por Israel, onde fica a Autoridade Palestiniana, bem como a mais de uma centena de assentamentos judeus considerados ilegais segundo o direito internacional.

No dia 18 de maio, o dia em que os líderes palestinianos tinham convocado protestos e greves, as forças israelitas na Cisjordânia mataram um palestiniano e feriram mais de 70, e dois soldados israelitas ficaram feridos. Entretanto, em Sheikh Jarrah, a polícia disparava canhões de água contra os manifestantes árabes, enquanto os manifestantes árabes no Portão de Damasco se envolviam novamente em confrontos com as forças de segurança israelitas.

O Egito mediou o cessar-fogo assinado por Israel e o Hamas. Osama Hamdan, membro sénior do Hamas, disse que Israel ofereceu “garantias de que as agressões israelitas na mesquita de al-Aqsa e em Sheikh Jarrah iriam parar”, uma alegação considerada uma “mentira completa” pelas autoridades israelitas. Poucos acreditam que a paz esteja realmente iminente.

Quando questionado sobre se há uma solução de longo prazo para esta crise, o académico Yitzhak Reiter deu uma resposta que vulgarmente se ouve em Jerusalém. “Não tenho a certeza – é complicado.”
 

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com

Sem comentários:

Enviar um comentário