segunda-feira, 31 de maio de 2021

O diabo no MEL


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Pedro Filipe Soares

Se na primeira convenção do MEL existiu a tentativa de separar a direita da extrema-direita, a edição deste ano mostra como o caldo cultural onde bebem é o mesmo: renderam-se ao extremismo.

É uma das principais leis da política: o principal são as ideias. São elas que fazem mexer o mundo, criam movimentos ou revoluções, levantam governos ou destroem sistemas de poder, juntam pessoas e constroem sonhos ou unem sociedades. Pode haver sindicatos de voto, setores tradicionais, regiões de enraizamento – tudo isso somará alguns votos, mas sem ideias fica-se pelos já convertidos e as hostes próprias, não se alarga influência, apenas fica disfarçado o lento definhar que é a condenação pelo vazio de ideias. 

No entanto, a reunião das direitas (link is external) mostra bem a carestia que reina nesse espaço político português, o buraco negro que suga quaisquer pretensões de futuro.

A convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL) foi o palco da reunião das direitas. Durante dois dias desfilaram protagonistas do presente e do passado, fizeram-se muitas contas ao somatório de sondagens e reduziu-se a política à aritmética partidária. Tudo se resumiu a um jogo de xadrez, de tática batida e previsível, onde as peças se movem mecanicamente e sem imaginação ou estratégia. Chega, IL e CDS falaram a olhar para o PSD, enquanto o PSD falou a olhar para o PS (link is external). Para o futuro fica apenas o anseio sebastiânico pelo salvador que possa resgatar a direita do marasmo em que se encontra.

Não houve um confronto de ideias porque faltam ideias para essa disputa

Passaram pelo Centro de Congressos de Lisboa quatro líderes partidários, um ex-primeiro-ministro e o seu número dois no governo. A falta de visão estratégica, de um projeto mobilizador, é a mais fatal análise que se pode fazer: vivem do passado e sem visão de futuro. 

Não houve um confronto de ideias porque faltam ideias para essa disputa.

O objetivo era ambicioso, pensar na “reconfiguração social, política e económica para as próximas décadas”, mas não andaram sequer lá perto. É difícil levantar a cabeça para o horizonte quando não se sabe onde pôr os pés – é essa a grande dificuldade da direita, em que o memorando da troika ainda é o único terreno programático em que se sentem confortáveis. 

O país não estava à espera da convenção do MEL para qualquer definição estratégica e ainda bem, porque se estivesse teria ficado exatamente na mesma. Uma das leis de Murphy é que “se pode dar errado, vai dar errado” e essa foi a única garantia com que ficamos da convenção do MEL: percebemos que não há nenhuma aprendizagem com os erros cometidos nem pensamento sobre os novos tempos que enfrentamos.

o que seria de nós se o Serviço Nacional de Saúde tivesse sido entregue aos privados como era o sonho da direita?

O cenário geral não era favorável para a direita, já se sabe. A pandemia mostrou como o sonho liberal do Estado mínimo não resiste quando o mar de dificuldades se agiganta – o que seria de nós se o Serviço Nacional de Saúde tivesse sido entregue aos privados como era o sonho da direita? E se fossem as seguradoras a mandar quem podia ou não entrar nas urgências dos hospitais? Foram os sistemas públicos de saúde que provaram ser a garantia de cuidados nos momentos difíceis que passamos. E quem defendeu que o Estado deve tirar as mãos da economia está fora de jogo quando o debate é sobre investimento público, a defesa de setores produtivos e a recuperação de capacidade produtiva. 

Só falta virem dizer que Biden, agora que anunciou um novo apoio às famílias e economia norte-americana, se transformou num perigoso socialista.

As direitas uniram-se aziadas com o país, ainda chateadas com a desvalorização eleitoral a que são votadas. Sem soluções ou ideias, a conversa é apenas de como chegar ao poder pelo poder, nem que isso signifique vender a alma ao diabo

O negacionismo que foi doutrina para Trump, Bolsonaro ou Modi fez centenas de milhares de mortes e colocou países em completo caos. Todos percebemos como a extrema-direita foi inimiga do povo dos países em que governava. No entanto, não se ouviu uma autocrítica por parte dos seus acólitos nacionais. E nem faltou uma exaltação histórica de Salazar, pela mão de Fátima Bonifácio, que isto de negar a realidade não começou hoje e o revisionismo tem muitas vidas. Se na primeira convenção do MEL existiu a tentativa de separar a direita da extrema-direita, a edição deste ano mostra como o caldo cultural onde bebem é o mesmo: renderam-se ao extremismo.

As direitas uniram-se aziadas com o país, ainda chateadas com a desvalorização eleitoral a que são votadas. Sem soluções ou ideias, a conversa é apenas de como chegar ao poder pelo poder, nem que isso signifique vender a alma ao diabo. Alternativa? 

Há alternativas para melhorar o país, mas não passaram por ali.





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