- O QUE ESTÁ EM CAUSA?O novo coronavírus trouxe grandes desafios para a atividade e gestão laboral de muitas empresas. Muitos empregadores optaram, desde o início da pandemia, por “forçar” os trabalhadores a gozar férias durante o confinamento obrigatório, período em que a atividade de muitas empresas foi reduzida ou até suspensa. Mas será que esta decisão unilateral dos patrões está prevista na lei?
A questão foi colocada ao Polígrafo por um leitor: “Estão a obrigar os empregados a gozar férias no período de confinamento, é legal ou ilegal?”.
Contactada pelo Polígrafo, Rita Garcia Pereira, advogada especialista na área de Direito do Trabalho, começa por dizer que a regra, no que respeita à escolha do período de descanso, é a de que “as férias devem ser marcadas por acordo entre trabalhador e empregador”. Ainda assim, indica que “existem várias situações em que a entidade empregadora poderá, legalmente, impor o gozo de férias sem o consentimento do trabalhador”.
Segundo o nº3 do artigo 241º do Código do Trabalho, na falta de acordo e sem o consentimento do trabalhador, o período de férias só pode ser marcado entre 1 de maio a 31 de outubro. No entanto, segundo a advogada, "esta regra apenas se aplica a trabalhadores com contratos efetivos". Ou seja, os trabalhadores com contrato a termo certo podem ter as suas férias marcadas por decisão unilateral da entidade empregadora durante todo o ano.
"Na hotelaria e restauração em concreto, e mais uma vez, quando falamos de trabalhadores com contrato efetivo, segundo alguns contratos coletivos de trabalho, o empregador pode marcar férias entre fevereiro e dezembro. No entanto, no ano seguinte o empregador só poderá marcar as férias destes trabalhadores entre maio e outubro. Ou seja, tem de existir uma alternância", esclarece Rita Garcia Pereira.
Apesar de, nas circunstâncias descritas, ser legal a entidade patronal tomar uma decisão unilateral em relação às férias dos empregados, para a advogada, no atual contexto pandémico, "pode discutir-se se os períodos de férias assim marcados, durante o confinamento, podem ser equiparados ao real conceito de férias".
"O direito a férias está consagrado de forma muito vincada no Código do Trabalho, por exemplo, os trabalhadores não podem, durante esse período de descanso, arranjar outro trabalho, este é um motivo de despedimento por justa causa. E porquê? Porque se entende que é essencial que, durante aqueles dias, o trabalhador esteja dedicado exclusivamente à sua recuperação", alerta a especialista em Direito laboral.
Assim, "durante o período de confinamento, quando está impedido de sair de casa e de realizar uma série de atividades, o trabalhador poderá não ter a liberdade necessária para gozar as suas férias, tendo em conta o conceito que lhes está atribuído", conclui.
Em agosto de 2020, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF) emitiu um parecer, subscrito pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), em que se questiona se, na atual situação pandémica, deveria ser permitido que os trabalhadores em situação de confinamento sejam obrigados a tirar férias por decisão unilateral do empregador.
"O direito a férias é um direito reconhecido a todas as categorias de trabalhadores e que tem como objetivo essencial o de assegurar o repouso do trabalhador e possibilitar a sua plena recuperação física e psíquica para um outro ano de trabalho, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural, o que se retira do n.º 4 do artigo 237.º do Código do Trabalho, em consonância com a al. d) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição", lê-se no documento.
Contactada pelo Polígrafo, Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP indica que o direito a férias é um "direito irrenunciável, precisamente porque nada substitui o momento em que o trabalhador tem possibilidade de recuperar física e psiquicamente". Assim, "será necessário que disponha de condições para conseguir usufruir da disponibilidade familiar e para para a participação social e cultural, no fundo para fazer aquilo que entender que deve fazer naquele período".
"Se o trabalhador for forçado a gozar férias em outras ocasiões e em momentos em que, de forma alguma, poderá ter essa recuperação que se pretende proporcionar, então é óbvio que não está a exercer esse direito", garante Isabel Camarinha.
Para a CGTP, "as empresas e as entidades patronais têm que utilizar outras formas de agir nestas situações ou exigir ao Governo outro tipo de apoios ou compensações para fazer face a estas medidas de confinamento, que não seja o atropelamento dos direitos dos trabalhadores".
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