sexta-feira, 30 de abril de 2021

É oficial. Marcas de luxo estão a vender mais do que em 2020 e em 2019

 expresso.pt


A crise pandémica não afeta tudo e todos da mesma forma, fazendo com que haja pelo menos um setor que, não sendo imune ao coronavírus, está a superar o terrível 2020 e até a faturar mais do que em 2019. Os grupos de luxo, que à data têm publicados os resultados financeiros dos primeiros três meses de 2021, aumentaram todos as vendas neste período.

Não é claro que isto se trate de um epifenómeno sem sequência daqui para a frente, resultado de uma momentânea euforia consumista. Nem é claro que possa ser também um reflexo do aumento do preço de alguns produtos em determinadas marcas (Hermès e Louis Vuitton, por exemplo) e da subida acima dos 80% das vendas nos segmentos de artigos para a casa, joias e relógios, que custam mais do que os perfumes e as maquilhagens (áreas mais fragilizadas pela covid-19).

A Tiffany&Co integra desde o início de 2021 o grupo LVMH, cujas vendas no segmento dos relógios e das joias disparam 138%

A Tiffany&Co integra desde o início de 2021 o grupo LVMH, cujas vendas no segmento dos relógios e das joias disparam 138%

d.r.

Transversal a todos os grupos é também o crescimento acelerado na Ásia-Pacífico (China à cabeça, mais Coreia do Sul, Tailândia e Singapura)) e nos Estados Unidos (a um ritmo menos forte), face às quebras que se continuam a sentir na Europa. Comecemos por aquele que é o maior grupo do setor. O LVMH regista receitas consolidadas de €13,959 mil milhões nos primeiros três meses do ano, mais 32% e 8% do que no mesmo período no ano anterior e em 2019, respetivamente. O segmento dos relógios e das joias dispara (138%), mas parte do crescimento é devido à integração em janeiro do negócio da Tiffany&Co, o gigante da joalharia.

Em comunicado, o grupo LVMH salienta o bom desempenho das coleções de outras marcas de joias que integram esta divisão, como a Serpenti Viper da Bvlgari, a Joséphine da Chaumet e a Pretty Woman da Fred, assim como o novo smartwatch Tag Heuer Carrera, lançado em parceria com a Porsche. 

A divisão que representa a maioria das vendas do grupo – Moda e Artigos em Pele – é também uma das que mais cresce (45%). Sem surpresas, a Louis Vuitton é a maior responsável por este desempenho, acompanhada pela Dior, em particular com as vendas de artigos em pele, como as carteiras clássicas Capucines e Lady Dior, respetivamente.

A Armand de Brignac, detida em 50% por Jay-Z, é desde fevereiro de 2021 parte do portefólio do LVMH, que cresce 29% nas bebidas alcoólicas, em particular com a venda de champanhes

A Armand de Brignac, detida em 50% por Jay-Z, é desde fevereiro de 2021 parte do portefólio do LVMH, que cresce 29% nas bebidas alcoólicas, em particular com a venda de champanhes

d.r.

Neste grupo francês, os vinhos e as bebidas espirituosas estão também em alta (29%), em particular com as vendas de champanhe nos Estados Unidos e na Europa. Dom Pérignon, Veuve Clicquot, Moet&Chandon e Ruinart, por exemplo, são algumas das insígnias de referência do LVMH, às quais soma, desde fevereiro deste ano, a Armand de Brignac. Mais conhecida como Ace of Spades, e detida em 50% pelo rapper Jay-Z, contribui para engrossar os resultados da divisão de bebidas alcoólicas. A área dos perfumes e da cosmética aumenta 12% com as vendas online, suportadas por produtos de marcas de beleza icónicas como a Dior e a Guerlain.

Em baixa (-11%) está o retalho seletivo, onde se encontram as cadeias Sephora, Le Bon Marché e Duty Free Stores, por razões óbvias: o encerramento dos pontos de venda físicos e as restrições nas viagens internacionais, que afetam particularmente as lojas Duty Free nos aeroportos. 

No grupo Kering, que apresenta os resultados financeiros por marcas e não por segmentos de negócio como o grupo LVMH, o crescimento é transversal. 

A recuperação da Gucci no primeiro trimestre de 2021 (20,2%) é a grande surpresa, uma vez que tinha fechado o ano de 2020 com uma quebra vertiginosa. 

De acordo com as contas publicadas pela Kering, a marca italiana (que representa dois terços das receitas do grupo) regista a maior subida na Ásia Pacífico (78%) e na América do Norte (51%).

A recuperação da Gucci no primeiro trimestre de 2021 (20,2%) é a grande surpresa, uma vez que tinha fechado o ano de 2020 com uma quebra vertiginosa

A recuperação da Gucci no primeiro trimestre de 2021 (20,2%) é a grande surpresa, uma vez que tinha fechado o ano de 2020 com uma quebra vertiginosa

d.r.

Estas são também as regiões responsáveis pelos crescimentos de outras duas marcas de referência da Kering, a Yves Saint Laurent e a Bottega Veneta, que no primeiro trimestre aumentam as vendas em 18,9% e 19,9%, respetivamente. 

As restantes insígnias do grupo, que aparecem agregadas na rubrica ‘Outras Casas’, melhoram 29,1%, destacando-se a Alexandre McQueen, a Balenciaga e as joias, com a Boucheron e a Qeelin. 

Com uma dimensão bastante inferior ao grupo LVMH, a Kering tem um aumento de vendas superior ao do seu arquirrival (21,4%), totalizando receitas consolidadas de €3,890 mil milhões em janeiro, fevereiro e março (face aos €13,959 mil milhões do LVMH) e a vender mais 5,5% do que em 2019.

O crescimento mais expressivo, esse, fica por conta da Hermès (38%), com vendas de €2,083 mil milhões, pouco menos do que o grupo Kering que detém várias marcas, o que reafirma a força da Hermès operando isoladamente. Em relação a 2019, o crescimento é de 33% e evidencia - à semelhança dos dois grupos que já publicaram as contas - que os consumidores estão a comprar mais artigos de luxo do que antes do surto de coronavírus, apesar de ser um fenómeno circunscrito aos grandes mercados de luxo (Ásia e Estados Unidos). A ‘corrida’ aos produtos da Hermès confirma ainda a tendência em pandemia de concentração do consumo de luxo nas marcas com um legado de fabrico artesanal e estatuto social, em detrimento de outras menos aspiracionais.

Na Hermès, o crescimento mais destacado (90,3%) é nos relógios, onde está a apostar na parceria Apple Watch Hermès

Na Hermès, o crescimento mais destacado (90,3%) é nos relógios, onde está a apostar na parceria Apple Watch Hermès

d.r.

Analisando por divisões, que a Hermès intitula como ‘métiers’, os relógios têm o aumento mais destacado (90,3%) seguidos pelas joias e os artigos para a casa (85,8%), cujas vendas são publicadas agregadas na rubrica ‘Outros Setores’. O pronto-a-vestir e os acessórios (45,3%), as sedas e os têxteis (29%) e os artigos em pele, selas e arreios para cavalos (28,1%) representam as restantes maiores subidas. Os perfumes e os produtos de beleza sobem igualmente (20,5%), mas menos do que as restantes divisões. Aliás, nesta área a Hermès é forte em perfumes, mas só se estreia na beleza em 2020, com o lançamento de uma coleção de batons. Mais: estes são os dois tipos produtos que, transversalmente à indústria, têm menos procura durante a pandemia.

O lançamento em fevereiro do H24, o primeiro perfume masculino ao fim de 15 anos, e a nova coleção de primavera dos batons Rouge Hermès são os impulsionadores das vendas, mostrando o apelo da marca, mesmo em áreas que deixaram de ser a prioridade com a ausência de vida social e o uso de máscara. Em comunicado, a ‘Maison’ francesa destaca ainda outras novidades postas à venda durante o primeiro trimestre, como a coleção de alta joalharia Lignes Sensibles e as carteiras Victoria e Sylvania, bem como a forte procura na China, em particular de sedas e têxteis. Apesar do crescimento na maioria das geografias, a Europa e nomeadamente França continuam a ser o ‘calcanhar de Aquiles’, com descidas de -5,6% e -9,3%, respetivamente.

O lançamento do H24 é uma das causas do crescimento da Hermès na categoria que inclui os perfumes, que estão em queda em termos de mercado global

O lançamento do H24 é uma das causas do crescimento da Hermès na categoria que inclui os perfumes, que estão em queda em termos de mercado global

d.r.

A justificação para isto - os confinamentos sucessivos e as restrições aéreas - é comum a todas as marcas de luxo que dependem das vendas a turistas (principalmente chineses) nas capitais europeias, em particular em Paris. 

A aceleração do comércio eletrónico, o desconfinamento mais cedo na China e a transferência dos desfiles e dos eventos para as plataformas digitais estão a contribuir para o regresso aos números positivos. Desde o início do ano que as Bolsas dão sinais de confiança no futuro, com as ações da Hermès, da LVMH e da Kering a subirem, apesar desta última subir menos devido às reticências dos investidores em relação à Gucci. É que esta, a maior das perdedoras de vendas em 2020, é a marca com mais peso nos resultados globais do grupo Kering.

Os três grupos de luxo com as contas dos primeiros três meses de 2021 apresentadas superam as previsões. Para a Hermès e para a Kering, os analistas tinham estimado um crescimento de 27% (foi de 38%) e de 19% (foi de 21,4%), enquanto para o LVMH as perspetivas de receitas eram de €12,7 mil milhões – na realidade chegaram aos €13,959 mil milhões. 

Ainda será cedo para a indústria do luxo comemorar, quando a evolução das vendas até ao final do ano depende de algo tão volátil como um vírus globalizado, apesar dos progressos na vacinação e na imunidade de grupo. Aguardemos pelos resultados do segundo trimestre. E pelo controle da pandemia.

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