domingo, 28 de março de 2021

Os movimentos pela “verdade” que negam a pandemia


 estatuadesal.com



As origens destes movimentos são muito diferentes, têm várias fontes e algumas tradições, mas hoje fazem parte de uma nova extrema-direita que está a emergir em vários países europeus e nos EUA. 

A classificação de extrema-direita tem sentido, porque a sua génese no populismo actual não é equilibrada no conjunto do espectro político, ou seja, comunica mais com o quadro tradicional dos temas da extrema-direita, de onde vêm muitos dos seus elementos e para onde vão muitos dos seus elementos.

  

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Sublinhe-se desde já que alguns dos movimentos, por exemplo, contra a ciência, existem também na esquerda, mas são mais “calmos” e menos militantes do que os seus congéneres à direita. 

Há raras excepções, uma das quais é o antiespecismo radical que inclui formas de “guerrilha”, por exemplo, para “libertar” animais que estão a ser usados por laboratórios para testar medicamentos, implantes, cosméticos. 

Se é por isso possível comparar as teorias das “medicinas alternativas”, “holísticas”, homeopáticas, “orientais”, do veganismo, de formas de “regresso à natureza”, como, por exemplo, a propaganda dos partos em casa, que já causaram mortes, ou movimentos precursores da luta contra as vacinas, elas estão longe da excitação agressiva dos movimentos actuais pela “verdade”.

Outra observação prévia é que as medidas de restrição e confinamento são particularmente danosas para certas áreas económicas, como a restauração, os espectáculos, o turismo, e isso significa um pano de fundo social – com falências, perdas de lucros, despedimentos, encerramento de empresas, quebra de expectativas económicas, pobreza – para a radicalização dos movimentos pela “verdade”. O custo social e económico da pandemia e do combate à pandemia são os factores a que se deve prestar mais atenção, para se diminuir o processo de radicalização em curso.

Voltemos à “verdade”, nome absurdo mas revelador da pretensão destes movimentos de que são detentores de algum conhecimento especial que está a ser escondido pelo poder político e pelos cientistas, que estão a usar a pandemia como pretexto para terem mais poder e para limitar as liberdades. 

Estão a tentar criar uma “ditadura” em nome de interesses ocultos para o vulgo, mas bem conhecidos dos “verdadeiros”, seja a conspiração judeo-maçónica, o grupo de Bilderberg, os demónios vivos de George Soros e de Bill Gates, os que estão a encher os ares de sinais 5G, ou alienígenas maléficos. 

Como diz um cartaz empunhado por um senhor “verdadeiro”: “Os mafiosos da farsa covid grupo Bilderberg com a loucura da nova ordem mundial seguidos pelos lacaios políticos mundiais da maçonaria e do Opus Dei. Acordem.

Todas estas teorias da conspiração estão aí e circulam em Portugal, e têm um único motivo: não há pandemia, há uma “gripezinha”, os mortos não morreram de covid, mas de outras enfermidades, devem tomar uma série de remédios ou mezinhas – o mais célebre, pela propaganda fantasiosa de Trump-Bolsonaro, foi a hidroxicloroquina –, o uso de máscaras destina-se a tapar os “sorrisos”, porque, como diz um cartaz, as “máscaras geram desconfiança”.

A segunda palavra mais usada é “liberdade”, hoje uma palavra que também está doente de tanto abuso. Uma mãe e uma filha ainda criança posam numa destas manifestações com uma dupla de cartazes que são todo um programa. “Não ao uso de máscaras nas escolas/ não ao novo normal/ temos o direito de respirar ar puro”, diz o cartaz da pobre da criança. E o da mãe diz: “Não ao uso obrigatório de máscaras na rua/ não DGS controlo a mais! Poder a mais!/ não aos controlos DGS/ não ao novo normal/ não consentimos!” Ou seja, querem tirar-lhes a liberdade para terem um “novo normal”. Um outro cartaz explica que esse “novo normal” é uma “ditadura”, resultado destas “medidas perversas”.

O que exigem é liberdade para não usar máscara, liberdade para se fazer festas seja com que número de pessoas for, liberdade para andar aos beijos e abraços, liberdade para ir aos restaurantes, visitar os lares, etc. Podiam lembrar-se de acrescentar outras liberdades, como seja não usar capacete nas motas ou cinto de segurança, andar nas estradas a 200 à hora, entrar livremente na casa das pessoas, porque o direito de propriedade é uma usurpação (isto não dizem, claro, para não parafrasearem Proudhon e a sua “propriedade é um roubo”…), e por aí adiante. 

Na verdade, em nenhum destes casos está em causa a liberdade, que é de outra natureza e que nada tem que ver com o uso de máscaras.

A maioria destas irresponsáveis patetices não se ficam pelos cartazes “verdadeiros”, encontram-se também em artigos de opinião no Observador, que podiam ser citados como versões dos cartazes acima – e, se não fossem pagos, já de há muito mereceriam outra exposição –,​ ou nas manifestações do Chega e proliferam como vírus nas redes sociais.

 

Estão lá exactamente os mesmos temas, a “ditadura” de Costa e do “bloco central”, o abuso das medidas de confinamento contra as “liberdades”, a inutilidade das máscaras, a “invenção” da pandemia.

Se nós fôssemos, mais do que já somos, uma sociedade má, tomávamos à letra estas reivindicações. Muito bem, querem ter estas “liberdades”, façam uma declaração de que se responsabilizam pelos custos do tratamento da covid, caso fiquem infectados. E se fôssemos uma sociedade ainda pior, não os deixávamos entrar no SNS, onde os tratamentos são gratuitos, porque os pagamos todos nós. E depois exigir uma segunda declaração sobre a responsabilidade de indemnizar todos os que se provem que foram infectados por um dos “verdadeiros” e, no caso de essa infecção resultar numa morte, condenação por homicídio. E depois dar-lhes um autocolante a dizer: “Já sou livre, venha a covid que eu não tenho medo.” Tenho quase a certeza de que não ia ser preciso distanciação social, as pessoas fugiam todas…

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