sexta-feira, 19 de março de 2021

Jornal «Avante!» - Europa - Três apontamentos, em tempos de crise


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Jornal «Avante!» - Europa - Três apontamentos, em tempos de crise - João Ferreira


 

1. Perante o naufrágio da estratégia de vacinação da UE, são pelo menos oito os Estados-membros que concretizaram ou consideram abertamente soluções alternativas que lhes permitam acelerar o ritmo de vacinação da respetiva população, fora do quadro restrito de vacinas disponibilizadas pela UE.

Ao ritmo a que avança a vacinação, será impossível cumprir o objetivo de vacinar 70 por cento da população até ao fim do Verão, não se indo além dos 30 por cento, em termos médios, no conjunto da UE. Esta estimativa não conta, ainda, com as perturbações causadas pelas interrupções na vacinação, motivadas pelas dúvidas suscitadas em torno da vacina da AstraZeneca. Se tudo continuar como até aqui, será impossível alcançar a desejada imunidade de grupo em 2021.

As multinacionais farmacêuticas vão repetidamente desrespeitando os prazos com que se comprometeram para entrega das vacinas. Mas continuam a contar com a proteção da Comissão Europeia, que se opõe à diversificação das opções de compra de vacinas e à abertura das patentes – o que permitiria produzir mais vacinas, mais rapidamente, mas diminuiria os lucros das farmacêuticas.

A presidência portuguesa do Conselho da UE alinha com a opção da Comissão Europeia, que coloca os interesses das multinacionais acima dos interesses das populações. O inefável ministro Santos Silva, confrontado com a necessidade de Portugal se dotar, ele próprio, de uma estratégia que não o deixe inteiramente dependente da fracassada estratégia da UE, responde que tal seria «uma traição à UE». Cruzes, canhoto. Que se traia antes o interesse nacional. Assim como assim, não será nada a que Santos Silva não esteja mais do que habituado.

2. O Plano de Acção apresentado pela Comissão Europeia para concretizar o proclamado Pilar Europeu dos Direitos Sociais acaba de lançar luz sobre as reais intenções deste Pilar. Ao mesmo tempo que volta a varrer para longe conceitos como o do «pleno emprego» – há anos, significativamente, arredado da retórica e das estratégias da UE –, o Plano de Acção assume a intenção de «reduzir a pobreza». Mas pouco. Dos 93 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão social na UE, a Comissão Europeia propõe-se deitar a mão a 15 milhões, para os retirar dessa situação. O mesmo é dizer, o ambicioso plano aponta para manter numa situação de risco de pobreza e exclusão 78 milhões de pessoas.

3. Foi aprovado o sucessor do Plano Juncker, denominado InvestEU. O recém-nascido acrescenta ao antecessor, considerado «um plano de investimento para a Europa», a ambição de contribuir para enfrentar os impactos da COVID-19.

Ao mesmo tempo que cortou nos fundos estruturais e de coesão, a UE reforça e diversifica instrumentos financeiros do tipo do InvestEU, que pressupõem a «alavancagem» do investimento público com recurso ao investimento privado. O argumento é o de que «é possível fazer mais com menos». Mas não é. Ao contrário dos fundos da coesão, o InvestEU não tem uma alocação garantida por país. Tratando-se de um instrumento de base competitiva, a distribuição do investimento tenderá a ser proporcional ao nível de desenvolvimento económico de cada país. O resultado será mais desigualdade, menos coesão.

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