quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O triste e sinistro fim de Benny Hill, o primeiro cancelado da história


 


Benny Hill não entendia as acusações de sexismo que o acompanhavam durante a última parte de sua carreira. Tinha repetido as mesmas piadas durante décadas, com uma fórmula que parecia imbatível desde que desembarcou na BBC em 1955: sketches em câmera rápida e cheios de perseguições, quedas e acidentes, nos quais aparecia como o estereótipo do inglês gordinho e bonachão, rodeado de mulheres com pouca roupa que davam pé ao arremate fácil em uma amálgama de pastelão, burlesco e piadas de duplo entendido, em um formato sempre no limite do assédio.



O triste e sinistro fim de Benny Hill, o primeiro cancelado da história

Seu humor -que o tornou rico e famoso em todo mundo- jamais mudou, o que havia mudado era a sociedade inglesa, que já não achava mais graça nele. No fim dos anos 80, as autoridades do Conselho de Radiodifusão britânico publicaram um comunicado que o apontava diretamente:

- "Já não é tão divertido como antes ver como um velho verde persegue garotas seminuas. É ofensivo para muita gente. As atitudes mudaram;" Quando o sinal da Thames Television transmitiu pela última vez no Reino Unido "O show de Benny Hill" em 1989, o comediante se tornou o primeiro cancelado da história.

O triste e sinistro fim de Benny Hill, o primeiro cancelado da história

Em 140 países, seu clássico gag da fuga ao ritmo de "Yakety Sax" seguia despertando gargalhadas inclusive anos depois, quando seu amigo e agente Dennis Kirkland encontrou seu corpo sem vida. O pioneiro da televisão tinha morrido de uma trombose cinco dias antes sem poder superar nunca o destrato que recebeu em sua própria terra dos canais dos quais tinha sido estrela.

Longe da imagem do capocómico rodeado de suas Hill's Angels -como chamava às atrizes de seu elenco-, vivia só e na mais absoluta austeridade, alheio à fortuna de sete milhões de libras esterlinas que terminaram herdando seus sobrinhos com os quais nem sequer tinha contato.

Ele nasceu como Alfred Hawthorne Hill, em 21 de janeiro de 1924, e herdou o oficio familiar: seu pai e seu avô foram palhaços de circo. Ainda como Alfie, chegou à Londres nos anos 40 com 17 anos decidido a ser comediante, e começou a girar pela Inglaterra da guerra como parte de uma troupe teatral até que foi alistado como mecânico e motorista.

Com a paz chegaram também seu novo nome, que tomou de seu ídolo Jack Benny, e as audições para os teatros londrinos, onde nunca se destacou. Tinha pânico cênico e o público o deixava nervoso. Não costumava receber boas críticas nem grandes papéis. De fato, durante anos caçoou com o fato de que, ainda que já não fizesse teatro, seguia tendo pequenos papéis.

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Talvez por isso foi um dos primeiros a descobrir que o futuro estava na televisão: era quase uma questão de sobrevivência. Se no teatro transpirava e ficava nervoso, como narrou Kirkland anos depois, o novo meio lhe permitia uma cumplicidade com a audiência feita de olhares e piscadelas à câmera que marcou um antes e um depois na comédia britânica e mundial.

Com os efeitos de som, nem sequer tinha que esperar os aplausos do público: os risos gravados (claque) garantiam uma aprovação que na vida real quase nunca teve. Assim revelou sua amiga, a desaparecida atriz Sarah Kempt, ao jornalista Craig Bennett no livro "True Confessions of a Shameless Gossip". Segundo Sarah, Hill confessou que se sentia inseguro, pouco querido e tinha complexo por não ser muito atraente às mulheres.

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A verdade é que o comediante, que viveu com a mãe até sua morte, pouco antes da sua, jamais na vida conheceu uma relação estável. Suas próprias explicações a respeito não parecem menos sexistas que seu humor. Quando, por exemplo, em plena ascensão de sua carreira, foi entrevistado pelo Daily Mirror em 1955 e a jornalista quis saber por que para um homem rodeado de dúzias de garotas era tão difícil encontrar uma namorada ou uma esposa, Benny respondeu:

- "É como trabalhar em uma fábrica de chocolates. Você vê tanto chocolate que já não tem tanta graça. Ademais, eu não quero uma garota glamorosa. Queria uma garota que trabalhe em uma fábrica, em um escritório ou em um negócio. Aí é onde se escondem as lindas com senso comum, e isso é o que eu estou buscando."

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O mais perto que esteve de se casar, no entanto, foi com a bailarina de revista Doris Deal. A relação era quase platônica: desfilavam na noite de mãos dadas, mas ele terminou dizendo que não estava pronto para o casamento, e ela o deixou. Teve outra relação próxima com a atriz australiana Annette André (foto abaixo), a quem sim chegou a propor casamento. Ela pensou que era uma piada, ou foi a maneira mais educada que encontrou para recusar.

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As versões sobre o que em verdade ocorria vão do terror à intimidade. Segundo o livro "Beautiful Idiots, Brilliant Lunatics", de Rob Baker, ele era homossexual ou impotente e que era por isso que evitava o contato sexual.

Na biografia "Funny, Peculiar", de Mark Lewisohn, o cômico Bob Monkhouse dá outra pista sobre suas inclinações:

- "Queria que suas mulheres fossem mais ingênuas que ele, que o admirassem, que o respeitassem."

O "querubim do diabo", como era chamado por Michael Cane, também tinha um medo atroz a gastar seu dinheiro. Ainda que o sucesso internacional do "Show de Benny Hill" lhe rendia milhões, vivia com uma frugalidade que beirava a avareza.

Não tinha carro nem casa própria em Londres: alugava seu apartamento de Teddington, perto do estúdio onde gravava o programa, até onde ia caminhando para não gastar em táxis. Usava sua roupa até desbotar e remendava seus sapatos com cola uma e outra vez antes de comprar novos. No mercado sempre buscava alimentos em promoção e vivia praticamente a base de "fish and chips", o tradicional prato britânico que consiste de um filé de peixe empanado frito acompanhado de batatas fritas e purê de ervilha.

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Essa dieta seguramente colaborou com seus problemas de obesidade: pesava mais de 100 quilos. Em 11 de fevereiro de 1992, depois de sofrer um ataque do coração, os médicos recomendaram que perdesse peso e que se fizesse uma ponte de safena, à qual se negou rotundamente.

Também foi diagnosticado com insuficiência renal. Durante essa internação no Royal Brompton Hospital, foi visitado por outra celebridade que o admirava e que anos mais tarde também seria cancelada: Michael Jackson. Sua imagem junto ao cantor é uma de suas últimas fotos públicas.

Ainda que a tela de seu velho televisor já não transmitia seu show, seguia sendo uma estrela no resto do mundo, que associava seu nome ao humor inglês. O livro de Rob Baker dá conta de suas duas involuntárias e macabras piadas póstumas. Em 20 de abril de 1992 Benny foi citado pela imprensa como "muito triste" pela morte do comediante Frankie Howerd, que tinha sofrido um infarto:

- "Éramos grandes amigos." E eram, mas Hill jamais fez essa declaração, porque já estava morto. Quem respondeu por ele foi seu agente, Kirkland, que começava a se preocupar porque o ator não respondia a seus chamados. Por ironia da vida, em sua última saída de casa, Benny mandou um telegrama a Howerd desejando-lhe uma pronta recuperação de seus problemas cardíacos. A mensagem só chegaria depois da morte de ambos.

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Alguns dias mais tarde, alertado por um vizinho que sentiu um cheiro ruim que tinha como origem a casa de Benny, Kirkland trepou em uma escada e conseguiu ver o corpo do amigo no sofá.

Ele morreu só em sua casa, rodeado de jornais e pratos sujos em frente à televisão ligada. Segundo o laudo do legista, o ator teve um infarto agudo do miocárdio, devido a uma trombose coronariana, em 20 de abril de 1992, 5 dias antes, e seu corpo já indicava sinais de putrefação. Benny Hill tinha 68 anos.


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