sábado, 30 de janeiro de 2021

Alfarroba: o “ouro negro” do Algarve

 



MARCA D'ÁGUA - Artigo de Maria Luísa Francisco publicado 

Precisamente há um ano escrevi neste suplemento cultural um artigo sobre o Sal, referindo-o como o “ouro branco” do Algarve. Um ano depois, escrevo sobre a Alfarroba, que é considerada como o “ouro negro” do Algarve.

São dois produtos que aprecio e que consumo, mas a alfarroba tem um significado especial por fazer parte do imaginário de infância. Creio que há em muitas famílias do Algarve um olhar afectivo sobre a alfarroba com memórias telúricas e de convivialidade.

As alfarrobeiras fazem parte da paisagem e da identidade algarvia e os seus frutos foram durante muito tempo usados apenas como alimento para animais. Mais tarde passou a ter uso na doçaria regional e a ter mais interesse e valor comercial, sendo uma ajuda na economia familiar.

A alfarroba tem destaque na economia da região algarvia como matéria-prima. Há uma indústria local, única a nível nacional, em que a alfarroba e os seus derivados têm relevo na exportação, levando assim a alfarroba até países longínquos, sendo o Japão um dos principais destinos.

Portugal é um dos maiores produtores mundiais de alfarroba, tal como a Espanha e Marrocos.

A alfarrobeira (Ceratonia siliqua L.) é originária das zonas áridas do Mediterrâneo e da Península Arábica e é uma árvore capaz de se desenvolver e frutificar em condições de sequeiro.

O nome alfarroba deriva do vocábulo árabe Kharoubah que noutros idiomas deu origem a carruba (italiano), a caroube (francês), a carob (inglês) e a algarrobo (castelhano).

O seu uso é muito mais amplo do que se possa pensar à partida, pois é usado na indústria têxtil, na indústria do papel, na produção de colas e tintas, na indústria farmacêutica e na cosmética.

Há estudos que revelam a elevada quantidade de polifenóis (antioxidantes) na alfarroba, pelo que o seu consumo diminui o efeito nocivo dos radicais livres regenerando células danificadas no corpo humano e reduzindo o risco de desenvolver doenças cancerígenas.

A goma de alfarroba extraída da semente é considerada a parte mais valiosa da alfarroba. É usada em pó etem excelentes propriedades conservantes, por isso esta substância é adicionada em compotas, sumos, molhos e conservas. Além disso, a goma de alfarroba pode ser encontrada em carne enlatada e peixe como estabilizador e intensificador de sabor e é conhecido como emulsionante E410.

Usos da alfarroba ao longo da história

As sementes de alfarroba têm um tamanho e peso relativamente uniforme e estiveram na origem da unidade de medida quilate (Carat) usada pelos ourives.

No antigo Egipto estas sementes terão sido utilizadas no processo de mumificação e na manufactura de colares decorativos. Os egípcios utilizavam também a alfarroba para a produção de vinho, e com os seus frutos e cascas tingiam os couros (Marti & Caravaca, 1997).

Há referências ao consumo directo da alfarroba como alimento em Pompeia e à criação de um xarope de alfarroba na Sicília. Há referência à alfarroba na passagem de São João Baptista pelo deserto (razão porque as vagens da alfarrobeira são também conhecidas como Pão de São João).Há ainda quem designe a alfarrobeira por Figueira-de-Pitágoras e Figueira-do-Egipto.

As alfarrobeiras são árvores de sequeiro o que fez com que tenha sido uma importante fonte de alimento em alturas de fome. São de crescimento lento e a idade de frutificação das alfarrobeiras varia.

Pode demorar cerca de 20 anos até ter uma produção razoável, mas também pode levar 70 anos para dar frutos; o que significa que o plantador muitas vezes não irá beneficiar do fruto do seu trabalho, mas é um legado para as gerações futuras.

Antigamente considerava-se o dia 29 de Setembro, dia de São Miguel, como o dia oficial em que terminava a época de “varejo” das alfarrobeiras.

Em 2013, aquando do reconhecimento da “Dieta Mediterrânica” na lista representativa do património cultural imaterial da humanidade da UNESCO, a apanha da alfarroba foi uma das tradições destacadas.

Neste momento a alfarroba movimenta muitas pessoas na região algarvia, não só produtores, maioritariamente idosos, mas também alguns jovens que estão a ganhar interesse nos produtos derivados da alfarroba e a criar valor na região.

Sem querer personalizar muito, posso referir que há alguns anos organizei uma apanha de alfarroba na serra onde se seguiu um pequeno workshop de bolos de alfarroba debaixo de uma alfarrobeira e a respectiva degustação (não houve necessidade de usar forno!). Entretanto o interesse pelos produtos à base de alfarroba aumentou e em 2020 iniciei uma parceria de divulgação e comercialização de alfarroba no segmento gourmet.

As alfarrobas (muitas vezes designadas no Algarve apenas por farrobas) são vendidas aos comerciantes em arrobas, que é uma unidade de medida que equivale a 15 quilos. Enquanto escrevia, questionei-me acerca do símbolo @ se designar arroba, mas esse tema ficará para um futuro artigo.




(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)


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