sábado, 12 de dezembro de 2020

A BELEZA DAS PEQUENAS COISAS - Maria do Rosário Pedreira: “Vivemos tempos sem empatia, pela falta de leitura e excesso de digitalização, o que nos torna menos humanos”




É uma das mais notáveis editoras portuguesas, responsável pelas publicações do grupo Leya. Foi Maria do Rosário Pedreira que descobriu e publicou autores agora consagrados como José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, João Tordo ou Nuno Camarneiro. 

Há mais de vinte anos que se dedica a tirar manuscritos das gavetas, ajudando a dar a conhecer o talento literário nacional. Ou como gosta de dizer anda “à procura de agulhas no palheiro”. Por isso chamam-na de “caça-talentos” e há quem a considere uma espécie de José Mourinho da literatura. 

Não acredita na morte do livro, mas afirma-se desesperançada com as novas gerações. “Aquilo que mais me aparece são livros que parecem guiões escritos por uma geração influenciada pelas novelas más”. 

Do seu ponto de vista, as séries de ficção vieram substituir a literatura porque é mais fácil ir atrás de uma coisa que não faz pensar. “O confinamento não aumentou leitores. 

As pessoas quiseram alienar-se com séries que não as fizessem pensar.” Leitora experimentada e poetisa premiada, além de letrista e escritora, assume escrever mais quando está triste e que os poemas já a salvaram da solidão e até de uma grande depressão

Imagino-a soterrada entre pilhas de manuscritos e projetos literários, em busca de uma pérola no meio do palheiro. 

Mas as tais pérolas estão em crise no palheiro literário? O que faz de alguém um bom escritor ou uma boa escritora? É cada vez mais difícil encontrar novos talentos da literatura com menos de 35 anos? Os escritores precisam sempre da mão de um editor para publicarem melhores obras? Foram estas as primeiras perguntas colocadas à editora, escritora, poetisa e letrista portuguesa, Maria do Rosário Pedreira. 

As suas respostas, mais do que lidas, devem ser ouvidas. 

Mas ficam algumas notas acerca do seu olhar sobre a literatura e os tempos que vivemos, em que os livros são cada vez mais objetos para uma elite e os bons escritores das novas gerações são, como disse Agustina, “aberrações” que se destacam da menoridade. “Quando estamos a ler um bom livro estamos a ver acontecer. E quando estamos a ler um mau livro estão a dizer-nos o que aconteceu. E estou farta de originais destes.”Pereira fala sobre o estado das coisas e toma o pulso dos tempos e das modas. “Não acredito na morte do livro, mas estamos a perder os leitores que ganhámos nos anos 70 e 80 para as séries de televisão”. Sobre os manuscritos que lhe chegam às mãos, confirma que é cada vez mais raro encontrar novos talentos literários abaixo dos 35 anos. Aponta como razões a maior imaturidade, a pouca leitura e a cultura da digitalização e da televisão. “Aquilo que agora me aparece mais são os livros que parecem guiões de televisão apenas com diálogos, ou muito literais e descritivos, escritos por uma geração influenciada pelas novelas más.” E ainda afirma: 

“A ficção tem de ser ainda mais verosímil do que a realidade. Temos de acreditar no que lemos. E tantas vezes não acredito nos escritos que me entregam, apesar de me dizerem que aquela situação aconteceu na vida real.”

Maria do Rosário Pedreira ilustrada por Diego Garcez, artista plástico e poeta, ouvinte deste programa

Maria do Rosário Pedreira ilustrada por Diego Garcez, artista plástico e poeta, ouvinte deste programa

DIEGO GARCEZ

Sobre a arte da escrita literária, que não está ao alcance de todos, deixa uma ideia curiosa. “O escritor utiliza o material que todos usamos para pedir um café ou mandar uma pessoa àquela parte, mas consegue fazer parecer que nunca ouvimos aquilo.”

Quanto ao ano que aí vem, acerca do qual o mundo coloca todas as esperanças e desejos para finalmente sair da pandemia, da crise e retomar alguma normalidade, não tem ilusões: “2021 foi um ano em que muitos perderam o emprego e não vai ser já que o vão recuperar. E, portanto, vem mais um ano de más notícias. No futuro nada será igual. Se o mundo não ficou igual depois do 11 de setembro, também não ficará igual depois da pandemia. Mas que nos possamos abraçar.”

E ainda nos dá música, lê um poema seu e um excerto picante de uma obra de Marguerite Duras. Imperdível.

Mas há muito, muito mais para escutar neste episódio do podcast "A Beleza das Pequenas Coisas". Mais uma vez, a edição áudio é do José Cedovim Pinto, a fotografia é do Pedro Nunes, a ilustração do Diego Garcez, e o genérico é uma criação original do músico Luís Severo.

Este podcast entra agora de férias. Mas mantemos o desafio a todos/as os/as ouvintes para que enviem as suas opiniões, sugestões, histórias e comentários para o seguinte email: abelezadaspequenascoisas@impresa.pt.

Até breve, boas festas e boas escutas!


SOM AUDIO 

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