quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Proibidos ou queimados, livros incomodam ignorantes ou déspotas

 

A notícia de que o Governo de Rondônia, cujo governante é o coronel Marcos Rocha, ordenou a proibição nas escolas públicas do Estado de cerca de 43 livros utilizados tradicionalmente nas escolas, dentre estes ‘Macunaíma’, de Mário de Andrade, ‘Os Sertões’ , de Euclides da Cunha e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Na proibição estabelecida em Rondônia, a secretaria de Educação explica que “ as publicações contém conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

O governador de Rondônia, Marcos Rocha, e a esposa Liana Silva 

A notícia, que chocou as pessoas de livre pensamento e motivou a manifestação do Ministério Público Federal, que anunciou a instauração de procedimento para investigar a decisão, na verdade não constitui nenhuma novidade. Na história dos povos, tem sido bastante comum a proibição e a queima de livros em várias partes do mundo.

Os mandantes de tais atrocidades sempre acreditaram que eliminando os vestígios do pensamento de uma determinada época, estariam promovendo a superação do conhecimento humano. Outros, mais modestos, lançavam ao fogo suas obras simplesmente por vergonha do que haviam escrito.

No entanto, os principais destruidores de livros sempre tiveram como maior motivação o desejo de aniquilar o pensamento livre. Os conquistadores atribuíam à queima da biblioteca do inimigo a consagração de sua vitória.

Em 2004, o pesquisador e autor venezuelano Fernando Báez, publicou o livro “A História Universal da Destruição dos Livros – Das tábuas suméricas à guerra do Iraque”, contando, de forma rica e minuciosa a destruição dos livros através dos tempos. A obra acompanha a trajetória dessa prática abominável executada não apenas por homens ignorantes ou perversos, mas até por grandes filósofos e eruditos escritores, a exemplo de Descartes, Platão e Heidegger.

No entanto, os principais destruidores de livros sempre tiveram como maior motivação o desejo de aniquilar o pensamento livre.

E assim o autor nos conduz através dos tempos e pelos mais diversos continentes para refazer o percurso dessa pesquisa dolorosa, mas que ironicamente ameniza o nosso sofrimento. Afinal, ao remontar à perda de incontáveis obras, idéias, conhecimentos e memórias, é possível reconstruir lendas e mistérios que envolveram essa história de horror que parece não ter chegado ao fim.

Em 2003, a guerra no Iraque, por exemplo, levou à extinção mais de 1 de livros e documentos históricos da Biblioteca iraquiana, berço da Civilização Ocidental.

Inertes, assistimos em tempo real a um verdadeiro genocídio cultural, cujas conseqüências para as próximas gerações serão irreparáveis.

Muitas vezes o fogo ficou órfão, para alegria da eternidade. Estão aí a Eneida e Lolita, separadas por mais de 20 séculos, mas irmanadas, mais além de sua beleza literária, pelas chamas infrutíferas que seus próprios autores lhes prometeram e com aquelas com que ameaçaram alguns autonomeados guardiões das ideias políticas, religiosas, sociais, éticas ou morais.

Uma aura de cinzas parece ter sido a sina de muitos livros ao longo dos 35 séculos da criação da escrita. O autor e crítico literário alemão Werner Fuld segue esse rastro vergonhoso do ser humano para relatar a história das obras que foram salvas da censura e perseguição, em “Breve historia de los libros prohibidos” (RBA). Um livro de arena de todos os tempos e as civilizações, sobre os obstáculos e armadilhas à criação literária que se converte em uma chama que traz à tona a necessidade de estarmos sempre alertas para a perpétua tentação de vigilantes e inquisidores com listas de livros proibidos e um fósforo na mão.

“Não há como negar que a maior parte da literatura universal estimula o pensamento próprio. No interesse da paz social, essa perturbação é intolerável”, afirma em tom irônico Werner Fuld, recordando a crítica de Ray Bradbury em Fahrenheit 451.

A primeira destruição maciça de livros ocorreu na Suméria (entre os rios Tigre e Eufrates) cerca de 5.300 anos atrás, por deterioração, desastres e conflitos bélicos. A primeira queima de livros em Roma foi ordenada por Augusto no século XII a.C. com obras oraculares e proféticas. Ele queria que ninguém questionasse suas ideias políticas.

A biblioteca de Alexandria, fundada no início do século III a.C., terminou por motivos múltiplos: incêndios bélicos, ordem de destruição por parte dos árabes, ataques de cristãos, terremotos e falta de recursos.

No século XVI a Igreja Católica criou o Índice de Livros Proibidos, que teve muitas edições, até ser suprimido, 1m 1966, pelo papa Paulo VI.

Em 1933, na Alemanha, foi promovido o chamado “bibliocausto” nazista, exemplo paradigmático de como a política atenta contra as obras de arte. Milhares e milhares de livros foram destruídos pela tragédia nazista que dominou a Alemanha.

Existem várias classes de mortes, proibições e ressurreições literárias: a dos livros dos quais, depois de criados, seu próprio autor se arrepende, não mais querendo lhes dar vida; a dos livros que querem viver e cujo autor busca isso a todo custo, mas alguém, um editor ou um amigo, se nega a lhes dar esse direito; e há os livros que uma pessoa mais poderosa, desde um governante até uma instituição religiosa, ou em nome da sociedade, procura eliminar.

“Saber ler (e escrever) é um ato de apropriação do mundo. Aquele que aprende a ler algumas quantas palavras ‘em pouco tempo poderá ler todas as palavras’, como diz Alberto Manguel. E, se compreende que com uma frase se apropriou de uma parte do mundo, não se dará por satisfeito com uma frase apenas”, explica Fuld em seu ensaio. Uma celebração da maneira em que a criação burlou o destino.

E um brinde àqueles que não deram ouvidos aos derradeiros desejos de muitos escritores de não deixar vestígios de seus textos. Um dos primeiros foi Virgílio. Não se sabe por que, em seu testamento ele ordenou que fosse queimada a Eneida. Por sorte, porém, o imperador Augusto ignorou sua última vontade. 

Vinte séculos após os fatos que permitiram que o mundo lesse a Eneida, Franz Kafka queimou manuscritos que não lhe agradavam. Mais tarde, porém, o executor de seu testamento, Max Brod, não respeitou sua vontade, e o mundo pôde ler O castelo e O processo.

Um caso em que se juntam no autor o impulso de eliminar primeiro e de publicar depois é o de Vladimir Nabokov com Lolita, clássico do século XX que, quando ainda era um rascunho intitulado O feiticeiro, Nabokov quis queimar e sua esposa Vera resgatou das chamas. Até que, em 6 de dezembro de 1953, o autor o concluiu, iniciando uma via sacra em que foi rejeitado por quatro editoras que consideraram a obra “imoral” e muitas coisas mais, até que, dois anos mais tarde, conseguiu publicá-la em Paris pela editoria Olympia Press, especializada em obras eróticas. Lolita saiu nos Estados Unidos apenas em 1958, após uma batalha judicial.

A esses fogos individuais somam-se as fogueiras que já acenderam ou quiseram acender governantes de todos os níveis e instituições religiosas ou outras, em nome do bem comum. Desde o mesmo Augusto, que em um dia feliz salvou a Eneida e em outro dia lamentável ordenou a primeira queima maciça de livros em Roma por razões religiosas, até o nazismo, os regimes chineses ou os conflitos nos Bálcas, no Iraque e Irã. A própria Espanha sofreu decisões desse tipo com Francisco Franco, quando em 1939, recém-chegado ao poder que ocuparia por 36 anos, ele ordenou a retirada das obras de autores ditos “degenerados” das bibliotecas. “Franco era católico”, recorda Fuld. “Poderia ter tomado o Index romano como referência, mas a verdade é que não aparecem nesse catálogo nem Goethe nem Ibsen, que faziam parte da lista espanhola.”

São episódios sombrios e assombrosos que têm um capítulo na literatura, porque vários escritores já incluíram essas experiências em seus romances. Entre os casos mais recentes estão Balzac e a costureirinha chinesa, de Dai Sijie, O livreiro de Cabul, de Asne Seierstad, e Lendo Lolita em Teerã, de Azar Nafisi.

As ideias políticas, religiosas ou morais com interesses particulares teriam primazia sobre a arte? A história demonstra que o que existe para além do índice acusador é a vitória da beleza proibida. Do recordar a origem quando a palavra era vida, mas não vivia. Era como a luz do vaga-lume, intermitente, volátil, impossível de segurar, até que os sumérios começaram a lhe dar corpo com signos traçados com estilete ou buril sobre tabuletas de argila, pedra, madeira ou qualquer objeto nobre que os recebesse. Assim deram início ao caminho à arte, à eternidade, a viver diante de quem as decifra com sua leitura, e a viver e viver diante de quem as revive em sua boca para lhes dar sons, como estes versos de As flores do mal, de Baudelaire, salvos da inquisição literária:

“Vens do céu profundo ou emerges do abismo,

Ó beleza? Teu olhar, infernal e divino,

Verte confusamente o favor e o crime,

E por isso podemos comparar-te ao vinho.”

Sim, livros tem poder. Eles libertam, criam independência, e opinião. Justamente por isso, assim como já ocorreu com “as bruxas”, ao longo da história humana os livros foram queimados. Nesta lista uma seleção com 10 lamentáveis queima de livros na história humana:

1 – A queima nazista: Que a ascensão nazista provocou as maiores atrocidades em nossa recente história não restam dúvidas. E com os livros não foram diferentes, pois tão logo Hitler chegou ao poder como ação propagandista do novo sistema em diversas cidades alemãs foram organizadas sessões de queima de livros que não estevam de acordo com os padrões impostos pelo regime nazista.Thomas Mann,Sigmund Freud, Albert Einstein, Karl Marx, foram alguns dos autores que arderam nas piras de Hitler;

2 – A Dinastia Chin: Outra conhecida queima de livros na história se deu por ordem do Primeiro Imperador da Dinastia Chin que por volta de 213 a.C mandou queimar uma grande quantidade de livros que preservavam ideias e moral dos antigos;

3 – A queima do faraó: Por ordens do faraó Akhnatón que sucedeu Ramsés II milhares de papiros foram queimados por falarem de espectros e demiurgos extinguindo cerca de 75% da literatura existente;

4 – Os livros queimados de Wilhelm Reich: Com uma acusação de pornografia o Departamento de Estado America mandou queimar livros do autor, que entre outras contribuições para a sociedade está o debate das funções do orgasmo;

5 – A Destruição da Biblioteca de Alexandria: A destruição de uma das maiores bibliotecas da história antiga representou um verdadeiro “livrocídio”. Embora os historiadores divirjam e muito sobre o que realmente aconteceu a versão que se popularizou é a de que a biblioteca foi destruída por ordem de Amr ibn al-As, governador provincial do Egito em nome do califa Rashidun Omar ibn al-Khattab, pouco depois da conquista do Egito comandada por Amr em 642

6 – A inquisição: Outro evento histórico responsável pelo extermínio de uma grande quantidade de livros foi a inquisição, que queimava não somente a obra, mas muitas vezes seus autores. Só em Salamanca durante a inquisição espanhola, mais de 600 títulos foram para a fogueira;

7 – Fim aos escritos budistas: Em 1.153 com a conversão das Maldivas ao Islã, além da decapitação dos monges budistas, uma grande quantidade de escritos sobre o budismo foram incinerados;

8 – A briga entre Henrique VIII e o Papa: entre 1536 e 1550 a briga entre Henrique VIII e o papa resultou na incineração de textos católicos, fazendo em cinzas cerca de 300.000 volumes;

9 – Queima do Alcorão: Não é preciso queima uma biblioteca inteira para causar uma confusão internacional. Em 2012 soldados estrangeiros queimaram exemplares do Alcorão em uma base americana o que obviamente insuflou os ânimos na região;

10 – A Fogueira das Vaidades: Em 7 de fevereiro de 1497 aconteceu a mais famosa das fogueiras das vaidades. Partidários Girolamo Savonarola recolheram livros e outros objetos de artes ou cosméticos que teriam a capacidade de incitar ao pecado queimando-os em praça pública;

Fonte: meionorte.com


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