No Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer, fica o alerta da associação que, em Portugal, dá apoio direto a cerca de sete mil pessoas. Quase uma gota no oceano se tivermos em conta que o país regista cerca de 200 mil pessoas com demência - número que poderá triplicar até 2050. Enquanto a investigação e os fármacos não avançam na cura, a Alzheimer Portugal aposta na sensibilização, através de uma campanha nacional com a colaboração de figuras públicas
Estima-se que em Portugal existam cerca de 200 mil pessoas com demência, e que esse número irá triplicar até 2050, chegando a mais de meio milhão de pessoas em Portugal e a cerca de 135 milhões em todo o mundo.
A demência é causada por doenças do cérebro, sendo a de Alzheimer a forma mais comum de demência, constituindo cerca de 60% a 70% de todos os casos. A medicina utiliza a palavra demência para descrever um grupo alargado de sintomas - que podem incluir a perda de memória, dificuldades de raciocínio e de resolução de problemas, assim como alterações da linguagem, do humor ou do comportamento. "Estas mudanças são pequenas ao início, mas com o tempo tornam-se suficientemente graves para afetar o dia-a-dia da pessoa com demência", explica ao DN a psicóloga Ana Margarida Cavaleiro, que é também responsável pela formação da Alzheimer Portugal. Nesta segunda-feira a associação (que está sediada em Lisboa e conta com delegações no norte e centro) lança uma campanha solidária que conta com o Alto Patrocínio da Presidência da República. Pretende com isso "apresentar-se como um 'recomeço' com que as pessoas podem contar, após conhecerem o seu diagnóstico, ou do seu familiar, e dar a conhecer os seus serviços, ao mesmo tempo que chama a atenção para os sinais de alerta e a importância do diagnóstico precoce, tendo sempre presente o objetivo de conseguir uma sociedade mais amiga das pessoas com demência".
Ivo Canelas, Mariama Barbosa, Rita Brutt, Sandra Santos, Sara Norte e Vítor Norte são as caras desta campanha que será lançada a partir de hoje, "onde surgem imagens que parecem ser de despedida, mas que acabam por se transformar em recomeços, indicando que a Alzheimer Portugal está disponível para ajudar no recomeço após o diagnóstico". Ana Bola e o DJ e produtor Branko participam também, com voz e música, respetivamente.
A ideia é dizer ao país que "quanto mais cedo forem detetados sinais, mas cedo se pode obter o diagnóstico e mais facilmente se pode contribuir para retardar os seus sintomas. Pessoas mais novas também podem desenvolver demência e podem continuar a viver bem durante vários anos, quando a demência é detetada em fases iniciais".
A pandemia que atravessamos obrigou os mais velhos a um maior isolamento. Até que ponto se terá traduzido num acelerar das demências, nomeadamente da doença de Alzheimer?
Uma das grandes consequências desta pandemia, foi o facto de terem sido decretadas medidas de confinamento, proteção e segurança, que levaram à restrição de algumas das atividades realizadas pelas Instituições, nomeadamente o encerramento dos centros de dia. E se a reabertura dos mesmos já é possível em várias zonas do país, existem outras áreas em que isso ainda não acontece, não existindo ainda data para a sua abertura.
A frequência dos centros de dia e de outros serviços de estimulação cognitiva é essencial para a manutenção da qualidade de vida das pessoas com demência. Com o confinamento a que a pandemia obrigou, as pessoas com demência veem as suas rotinas subitamente alteradas, ficando sujeitas a efeitos negativos com forte impacto a nível cognitivo, funcional, comportamental e de mobilidade até nos cuidadores...
Sim, também os cuidadores ficaram sujeitos a uma maior pressão ao nível da prestação de cuidados, aumentando a sua sobrecarga emocional e física, o que pode dar origem a situações complicadas na prestação de cuidados.
É fundamental que a pessoa com demência e os seus cuidadores consigam manter rotinas em casa e que continuem a realizar atividade de estimulação. A Alzheimer Portugal disponibiliza no seu site vários cadernos de estimulação e outros documentos de apoio aos cuidadores, para que possam organizar o seu dia-a-dia de forma o mais adequada possível à manutenção das capacidades da pessoa com demência e ao bem-estar de ambos.
Quantos doentes existem em Portugal, neste momento? O apoio que existe (centros de dia, terapia ocupacional) é suficiente para esse universo ou, pelo contrário, estamos muito longe de conseguir prestar a atenção devida ao problema da doença?
Estima-se que atualmente existam mais de 200 mil pessoas com demência em Portugal (OCDE, 2017). Perante estes números poderemos referir que ainda não existe em Portugal um número suficiente de equipamentos especificamente pensados para pessoas com demência. Cientes desta realidade, a Alzheimer Portugal procura através dos seus equipamentos e serviços reunir um leque de boas práticas, que nos permitam através da formação e de outros projetos transmitir conhecimentos especializados na área das demências. Pretende-se que outras instituições possam replicar estas boas práticas que assentam num novo paradigma de prestação de cuidados humanizados, baseado na abordagem centrada na pessoa com demência e no respeito pela sua autodeterminação.
O que faz, em concreto, a Alzheimer Portugal e em que zonas do país?
Nos últimos 32 anos, com o objetivo de promover a qualidade de vida das pessoas com demência e dos seus familiares e cuidadores, a Alzheimer Portugal, única organização de âmbito nacional nesta área, tem-se especializado na prestação de serviços, sendo pioneira na criação de centros de dia, lares e serviços de apoio domiciliário especialmente concebidos para pessoas com demência. Desta forma, conta com uma estrutura residencial para pessoas com demência (Casa do Alecrim - Alapraia), quatro centros de dia (Lisboa, Alapraia, Lavra, Pombal), dois serviços de apoio domiciliário (Lisboa e Alapraia), e vários gabinetes de apoio na demência por todo o país. No entanto, a associação aposta ainda na realização de outros serviços e atividades para pessoas com demência e para os seus cuidadores, como seja a realização de consultas de especialidade, apoio psicológico, grupos de memória, avaliações neuropsicológicas, estimulação cognitiva, sessões de fisioterapia, entre outros serviços clínicos, que se realizam na sede (em Lisboa), nas suas delegações (norte, centro, região autónoma da Madeira) e Núcleos (Ribatejo e Algarve).A nível nacional, realiza também sessões do Café Memória (agora via Zoom), destinadas a pessoas com problemas de memória ou demência, aos seus familiares, amigos e cuidadores, para partilha de experiências e suporte mútuo. Acrescem ainda atividades de consciencialização da sociedade, através da campanha para uma mudança social Amigos na Demência e do projeto Memo e Kelembra nas Escolas que visa sensibilizar e consciencializar os mais jovens, do 1.º ao 12.º ano de escolaridade. Ainda nesta linha, a associação faz uma forte aposta na comunicação, estando ativamente presente nas redes sociais (Facebook, Instagram e LinkedIn) e através do seu website. Através da Linha de Apoio na Demência, procura dar resposta, com carácter imediato, aos pedidos de informação de todos os que a contactem. Por fim, aposta na formação, como veículo de conhecimentos, boas práticas e literacia, sendo entidade formadora certificada pela DGERT desde 2006.
Como é que se financia?
A sustentabilidade da Alzheimer Portugal advém de acordos de cooperação e outros apoios estatais/municipais, apoio do Instituto Nacional para a Reabilitação, apoios de mecenas, quotização, mensalidades de utentes e pagamento de alguns serviços e projetos financiados por candidaturas.
A campanha que entretanto estará na rua conta com a participação de várias caras conhecidas. Considera que só uma maior mediatização da doença pode contribuir para a colocar na agenda, destapando o que por vezes parece ser preconceito?
Ainda existe muito estigma e preconceito na área das demências. No entanto, acreditamos que ao longo dos últimos anos a associação, através dos seus projetos, tem conseguido transmitir à sociedade uma nova perspetiva das demências, combatendo a visão menos positiva que as pessoas têm. A campanha Recomeços, lançada para assinalar o Mês Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer, pretende apresentar a associação como um recomeço com que as pessoas podem contar perante um diagnóstico de demência. O facto de contar com caras conhecidas, a voz da Ana Bola e a música de um artista como o Branko, está a ser muito importante para chegar a mais pessoas. Acreditamos que só falando mais sobre este tema podemos aumentar o nível de conhecimento da sociedade na área das demências, e no futuro conseguirmos diagnósticos mais atempados e uma melhor qualidade de vida tanto para as pessoas com demênci, como para os cuidadores.
Qual é o grande objetivo desta campanha?
Esta campanha está em linha com o nosso grande objetivo de tornar a sociedade mais amiga das pessoas com demência, pelo que convidamos todos a tornarem-se amigos na demência através do site www.amigosnademencia.org. Ao longo dos anos a associação tem procurado estar na linha da frente no combate ao estigma e à discriminação das pessoas com demência, procurando ainda atuar junto dos decisores políticos, estando atualmente integrada em projetos governamentais que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência e dos seus cuidadores.
De quando em vez aparecem notícias da área da investigação que prometem a cura ou o retardamento dos sintomas. Com o que é que podemos, efetivamente, contar para o tratamento, atualmente?
Muito embora a quase totalidade dos estudos que vão sendo divulgados ainda estejam em fases iniciais das respetivas investigações científicas, o que implica que os resultados apenas sejam conhecidos a longo prazo, existem já alguns tratamentos farmacológicos disponíveis, com vista ao retardamento da sintomatologia. A par destes, é fundamental o recurso a tratamentos não farmacológicos, como estimulação cognitiva, terapia das reminiscências, musicoterapia, terapia ocupacional, entre outros, que se mostram imprescindíveis no controlo da sintomatologia, manutenção das capacidades cognitivas e promoção do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas com demência, e consequentemente, também dos seus cuidadores.
O que vos dizem os últimos estudos sobre a doença: aparece cada vez mais cedo ou mais tarde?
Sabemos que Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo, estimando-se que possa vir a transformar-se no país mais envelhecido da Europa nos próximos 30 anos. O nosso país apresenta uma percentagem de população com mais de 60 anos a rondar os 29,4%, estimando-se que em 2050 esse número possa chegar aos 40,8% (United Nations, 2019). Este aumento acontece mesmo quando é previsto um ligeiro declínio da população portuguesa neste período, uma vez que se prevê uma duplicação no número de pessoas com mais de 70 anos, entre 2018 e 2050. Por outro lado, sabemos que a idade é o principal fator de risco não modificável para o desenvolvimento de demência, pelo que não é de estranhar que a maior parte das pessoas com demência apresentem uma idade mais avançada. Não obstante estes fatores, a verdade é que cada vez mais surgem pessoas com demência com menos idade, o que nos vem trazer um novo paradigma. Os fatores de risco associados à demência são a pouca atividade física, níveis baixos de educação, poucos contactos sociais, hipertensão, tabagismo, perda de audição, obesidade, depressão, diabetes, consumo de álcool em excesso, traumatismos cranianos e poluição atmosférica (Lancet, 2020), pelo que é possível perceber que atualmente vivemos expostos a muitos fatores que se torna necessário combater com vista a tentarmos prevenir o aparecimento de demência ou promover o seu surgimento o mais tarde possível. Atualmente vivemos numa sociedade que se debate ainda com sedentarismo, stress, hábitos tabágicos, entre outros, o que urge mudar.
O diagnóstico continua a ser difícil. Porquê?
Apesar de todas as conquistas que temos alcançado, de a sociedade se encontrar com níveis de literacia na área das demências mais elevados, e de os meios complementares de diagnóstico serem mais precisos, debatemo-nos ainda com a dificuldade de as pessoas não recorrerem a um especialista atempadamente. Muitas vezes, só quando os sinais de que algo não está bem são muito evidentes e recorrentes é que as pessoas procuram um especialista, o que vem dificultar a realização de diagnósticos precoces. Existe ainda a ideia de que o prognóstico de um diagnóstico de demência é "somente negativo" e não se consideram os aspetos positivos de um diagnóstico precoce. Para além de ser fundamental que a pessoa perceba o que se passa consigo o mais precocemente possível para se poder informar sobre os tratamentos disponíveis, como se pode proteger legalmente e quais são os seus direitos, é imprescindível que possa perspetivar "o que é que pode fazer por si por forma a estar segura e a retardar o desenvolvimento da patologia". A Alzheimer Portugal disponibiliza a Linha de Apoio na Demência (213 610 465), que visa responder a dúvidas, prestar informações, esclarecimentos e apoio emocional e psicológico a todos os que a ela recorram. Uma sociedade esclarecida é uma sociedade mais preparada para lidar com as demências.
www.dn.pt
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