terça-feira, 18 de agosto de 2020

O LADO OCULTO - OPERAÇÃO "MUDANÇA DE REGIME" EM CURSO NA BIELO RÚSSIA

Louise Nyman, Minsk;
Exclusivo O Lado Oculto


Obviamente é uma “revolução colorida” posta em movimento pelas habitais agências norte-americanas de “mudança de regime”, com apoio activo da União Europeia. Nada do que acontece actualmente em Minsk, na Bielorrússia, é novo: já foi observado na Geórgia, no Cazaquistão, na Moldávia, nas “primaveras árabes”, durante mais de vinte anos na Venezuela, na Nicarágua e, claro, sobretudo na Praça Maidan, em Kiev. Não se trata, mais uma vez, de instaurar a “democracia”, como proclamam os manifestantes, certamente muitos na sua ingenuidade manipulada por eficazes e dispendiosos instrumentos de propaganda; pretende-se criar um regime ao serviço do Departamento de Estado de Washington, de Bruxelas e da NATO para instalar um novo posto avançado do cerco à Federação Russa nas suas próprias fronteiras. Nem que essa “democracia” seja imposta por forças militarizadas nazis, como acontece na Ucrânia e já se vislumbra em Minsk.

As eleições presidenciais na Bielorrússia realizadas em 9 de Agosto e que deram a vitória ao actual titular do cargo, Alexandre Lukachenko, foi o pretexto para o relançamento do velho plano de Washington e Bruxelas no sentido de desestabilizar a região e o país. Como se esperava mesmo muito antes de anunciados os resultados, e até da realização das eleições, os Estados Unidos e a União Europeia apressaram-se a descredibilizar os números apresentados, abstendo-se até de apresentar quaisquer provas dos seus pareceres definitivos e contribuindo para acelerar os protestos de uma oposição fragorosamente derrotada. Mesmo que os 80% de Lukachenko anunciados oficialmente sejam fruto de manipulações grosseiras – o que está ainda longe de provado, nem parece ser uma prioridade dos sectores que já contestavam os resultados antes de os conhecer – a prestação da candidata oposicionista ficou muito longe de uma situação que lhe permita proclamar vitória.

Os Estados Unidos e os seus aliados directamente envolvidos neste processo de mudança de regime, designadamente a Polónia, a Lituânia e a República Checa, preparam há meses o processo de desestabilização com os olhos postos na oportunidade criada pela realização de eleições presidenciais. Agências norte-americanas que servem de base para as “revoluções coloridas”, como a USAID e a NED, há muito que actuam em Minsk criando as plataformas favoráveis à “democracia” e à “liberdade” capazes de convergir numa mudança de regime que sirva essencialmente os interesses militares expansionistas da NATO.

As campanhas contra a Bielorrússia têm sido constantes, pois há muitos anos que Lukachenko é qualificado pela propaganda ocidental, reflectida na comunicação social corporativa, como o “último ditador da Europa”. Este slogan ignora o apoio popular do presidente e do governo em eleições sucessivas, uma prova flagrante da lógica oportunista que caracteriza os frequentes processos intervencionistas: se os resultados eleitorais agradam a Washington, o acto eleitoral é considerado impecável; caso contrário, correspondem à manipulação efectuada por governos que têm de ser afastados. Nada de diferente, aliás, do que tem acontecido nos últimos tempos na Venezuela e na Nicarágua, onde aliás vêm agora a lume novas provas de tentativas golpistas em curso com os suspeitos do costume.

O neoliberalismo não admite ser contrariado

Uma das obsessões que tem inquietado Washington e Bruxelas ao longo dos anos é o facto de a Bielorrússia ser um país que preservou sistemas sociais soviéticos, designadamente nos domínios da saúde, educação e segurança social, além de ter mantido a propriedade pública sobre as principais estruturas produtivas do país. Isto é, Minsk tem resistido às “reformas” que estão agregadas ao Consenso de Washington e às actuações do FMI e do Banco Mundial para instauração do regime neoliberal. Esse é um dos grandes problemas criados por Lukachenko, independentemente de a sua gestão ter vindo a dar sinais de estagnação.
Acresce que os planos neoliberais em relação a este país não são de agora. Na Bielorrússia, as sanções económicas, as pressões e os efeitos decorrentes de decisões adversas dos países ocidentais já remontam aos tempos das administrações Bush, prosseguindo com Obama e Trump. A Bielorrússia fez sempre parte da lista dos países-alvo de “revoluções coloridas” que entretanto foram acontecendo na Geórgia, na Ucrânia, no Quirguistão, na Moldávia – onde a maioria eleitoral absoluta do Partido Comunista foi invalidada pela imposição da arbitrariedade política – no Cazaquistão e em outras antigas repúblicas soviéticas.

A implicação da Polónia, da Lituânia e da República Checa nesta crise artificial é evidente e sustentada pela acção dos Estados Unidos com base nas citadas USAID e NED e pelo aparelho de propaganda da Rádio Europa Livre, que vem dos primórdios da guerra fria e que chega ao desplante de considerar o banqueiro corrupto e financiador da oposição, Viktar Babarika, como um “filantropo”. Aliás, os “filantropos” estão na moda e associados a todos os caminhos para o globalismo neoliberal, em que se insere agora a tentativa de golpe na Bielorrússia.

Onde se irmanam o liberalismo e o “iliberalismo”

Neste processo em Minsk actuam de maneira geminada as expressões políticas do “liberalismo” e do “iliberalismo”, este associado a grupos saudosos do nazismo, tal como aconteceu na Ucrânia, no projecto para criação do habitual “caos criativo” de onde possa sair a pretendida “democracia”. Um dos elementos mais interessantes da situação resulta do facto de serem precisamente os sectores “iliberais” e nazis os que mais defendem o envolvimento da NATO na “solução da crise”. Situação que levou o governo de Lukachenko a tomar medidas de prevenção militar nas suas fronteiras com a Lituânia e a Polónia.
O processo é alimentado pela campanha de propaganda montada através da Rádio Europa Livre e que encontra correspondência na imprensa corporativa global. É de notar a perfeita sintonia pela mudança de regime manifestada pela rede de jornais europeus corporativos ditos “de referência”, sem excepção, de Portugal à Polónia – funcionando assim como braço da “revolução colorida”.

Essa comunicação social, tanto “de referência” como tabloide é unânime em apresentar as manifestações contra os resultados eleitorais como pacíficas, o que não corresponde à realidade. Além de outras situações que necessitam de clarificação, designadamente o envolvimento de mercenários da empresa russa Wagner (detidos em Minsk), o que deverá estar associado a uma acção planeada pelos serviços secretos ucranianos, os governos ocidentais exigem a absoluta paralisação da polícia partindo do princípio de que todo o processo é pacífico. No entanto, tornaram-se flagrantes as acções terroristas de grupos nazis e outros destacamentos de extrema-direita, em paralelo com os manifestantes “liberais”, para criação do caos em Minsk e outras cidades influentes. Entre as simbologias importadas de outras acções de protesto não faltam sequer as “mulheres de branco” normalmente associadas a movimentos contra Cuba.

O objectivo de criar acontecimentos idênticos aos da Praça Maidan em Kiev, onde veio a verificar-se que atiradores nazis foram responsáveis por vítimas atribuídas à polícia, é cada vez mais evidente.
Todos estes caminhos convergem na probabilidade de agravamento das sanções impostas pelos governos ocidentais, combinada com um cerco diplomático e pressões políticas sem limites para forçar o afastamento do governo de Lukachenko.

Quanto à União Europeia, que contribuiu para levar forças nazis ao governo da Ucrânia, que se absteve de condenar as constantes acções terroristas de Kiev contra as populações russófonas, que não se inquieta com as acções evidentemente antidemocráticas dos regimes da Geórgia e do Azerbaijão, por exemplo, não tem grande autoridade – nem provas - para partir do princípio de que as eleições na Bielorrússia “não foram justas nem equilibradas”. Trata-se da mesma União Europeia que não teve uma única atitude perante a institucionalização da xenofobia de Estado nos países bálticos, onde as comunidades de origem russa são consideradas de segunda, sem os mesmos direitos que os habitantes “originários”.

A crise artificial na Bielorrússia e a repetição do processo Maidan nada têm a ver com liberdade e democracia. Na base dos desenvolvimentos desencadeados a pretexto das eleições, e planeados com muita antecipação, estão o avanço militar da NATO no Leste da Europa e o cerco à Rússia, em paralelo com a multiplicação de centros de crise nas fronteiras russas; o desejo de travar a aproximação entre a Rússia e a Bielorrússia no sentido de restabelecer laços históricos e culturais; e evitar que a Bielorrússia venha a ser, como está previsto, um dos principais ramos da Iniciativa Cintura e Estrada (ICE) ou “Nova Rota da Seda” promovida pela China para o desenvolvimento comercial entre o Oriente e o Ocidente.

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