terça-feira, 26 de maio de 2020

O Bloco e o novo ciclo político - POR MÁRIO TOMÉ


Visão | Major Mário Tomé desabafa sobre o 25 de novembro



O Bloco e o novo ciclo político

O que caracteriza a situação actual no mundo?
É a afirmação do Estado de Direito Democrático e seu aprofundamento com a defesa real dos direitos humanos e a garantia de condições dignas de vida para a esmagadora maioria, os 99%, a criação de condições de paz e o respeito pelo direito internacional?
ou, pelo contrário, o reforço do poder brutal do capital haja ou não crise económica impondo uma democracia cada vez mais vigiada e excludente, um estado social em depressão, justiça a favor dos ricos, corrupção como lubrificante da democracia, capital todo poderoso e com as crises a penalizar ainda mais quem trabalha e a reforçar-se sempre? A tornar-se mais e mais poderoso com o poder que tem sobre os avanços tecnológicos?
Neste novo ciclo político como se afirma o Bloco perante as necessidades e exigências populares?
Negociador dócil, sem força para se impor, ou ganhar a força necessária com uma política de oposição consequente, sem deixar de aproveitar a favor da sua política, que tem de ser sempre popular (chamar-lhe-ão populista como já têm feito) afrontando o próprio sistema com proposta e integrando a acção de massas, tirando a base crescente de apoio ao protofascismo?
Cada reforma que o Bloco proponha ou apoie tem de servir para a elucidação prática da cidadania sobre os seus direitos, a sua força e a legitimidade que lhe assiste para a acção mesmo quando é obrigada a confrontar a legalidade.
Na actual situação todos temos consciência, mesmo quando não o queremos confessar, de que as leis são feitas para os donos disto tudo e que quando se faz justiça em relação a eles trata-se de um quase milagre.
Como se defende a democracia, seja onde for? Na aceitação acrítica ou mesmo cúmplice do que nos impõe o sistema; ou, face aos critérios e fundamentos que nos uniram num partido e usando as prerrogativas e condições conquistadas com a democracia consentida, cumprir o objectivo de defender os pobres, os desprotegidos, os marginalizados os trabalhadores, os mais frágeis na sociedade em involução?
Como fazer nos despejos que violam a própria lei, a própria lei de bases da habitação, como está a acontecer em Lisboa e no Porto? O que é no nosso entender um movimento social, uma luta? Onde estão os nossos eleitos quando a violência autocrática, seja qual for a justificação, despeja mulheres e crianças deixando-as sem abrigo, sem qualquer alternativa?
A resposta é um tal Fórum das Lutas? Burocracia e escapismo.
As debilidades do Bloco, no confronto com o capital e os seus avatares, não são apenas dos últimos anos. Quando nasceu com um programa consistente e radical, transformador, que prometia, sustentadamente, revirar todo o quadro político em Portugal e ter influência na própria esquerda europeia, foi-se deixando enredar, nos primeiros anos, embora com protestos cada vez mais ténues, na propaganda das causas fracturantes. Mas essas causas no mundo de hoje e no de há vinte anos fracturavam o quê, numa Europa cuja burguesia liberal já as tinha como assentes? Fomos insensivelmente perdendo de vista a única causa fracturante que nos deve guiar na luta por todas as causas que afinal se inserem no quadro da defesa dos direitos humanos. E essa verdadeira causa fracturante é a luta contra o capital em todas as suas vertentes. A luta dos pobres, dos trabalhadores; a luta das mulheres, a luta feminista que é e sempre foi, a única dentro daquelas a que se chamou fracturantes, a única que confronta radicalmente o capital e o seu sistema de domínio, opressão, exclusão, exploração, crime e morte, sendo talvez o mais forte ariete para derrubar a muralha inexpugnável.
O patriarcado é a estrutura antropológica do capitalismo: a luta para liquidar o patriarcado é a luta para liquidar o capitalismo e vice-versa. Ou são liquidados ambos na mesma luta ou não são.
No mundo de hoje cada vez é mais claro que o confronto do povo e dos trabalhadores contra o capital extravasa a clássica divisória entre a esquerda e a direita – calma aí!!!! – como se foram metamorfoseando até se conformarem com mais ou menos entusiasmo ou até mesmo explícito enjoo, não já à TINA (There Is No Alternativa) mas às diversas e pródigas alternativas dentro da… TINA!
Hoje, uma esquerda que se digne de o ser é obrigada a pôr em causa o sistema e dizê-lo claramente. Sabendo apontar caminho e colocando-se explicitamente contra o mascaramento do sistema mesmo quando deve usá-lo para melhorar, pouco que seja, as condições de vida imediatas do povo. O Sinn Fein ganhou as eleições numa difícil Irlanda afirmando-se contra o sistema e fora do sistema. Pois é; passado de luta e, como soi dizer-se, a luta continua.
O novo ciclo político, ao contrário do que dizem alguns camaradas, não é definido pela aprovação do OE, que sempre foi aprovado na legislatura anterior e que contou da mesma forma com a posição do PCP e do BE que desta vez se abstiveram
O novo ciclo também não é definido pela aprovação da eutanásia- como afirmam os mesmos camaradas – que sendo uma conquista muito importante não chega para definir um novo ciclo político, além de nem sequer ter servido para separar águas.
Segundo os mesmos camaradas decorre do novo ciclo político o facto de as preocupações do PS e do Governo serem especialmente o cumprimento das exigências da UE, afinal a preocupação de sempre na geringonça.
O debate e votação do IVA da electricidade mostra a virtude do Bloco que poderia levar à baixa do IVA não fosse o acordo ou mostra que o novo ciclo é desfavorável ao Bloco porque o PS tem soluções com acordos multilaterais?   Não é isso que define o novo ciclo político?
O que define o novo ciclo político é o facto de o PS não ser obrigado a acordos com a esquerda, como se comprovou, porque a composição do Parlamento lhe permite acordos múltiplos conferindo-lhe mais liberdade de acção do que com a geringonça.
O que define o novo ciclo político é o facto de o Bloco ter perdido influência que só poderá recuperar se souber fazer oposição forte e qualificada e souber perceber que o eleitorado cada vez mais maioritário é isso mesmo que sente e se não tiver resposta do nosso lado ou se encolhe amedrontado – onde está então o movimento social? ,- e acolhe sem solução ao regaço do PS, ou se sente representado nas críticas desconexas mas virulentas do Chega.
Ou seja do protofascismo que sempre se reforçou desta forma. Ao capital, na verdade, tanto importa. Se achar necessário até dá lhes dá mais força.
Mas o pessoal não sabe ler a história?
Conclusão acertada do polígrafo: o novo ciclo político devia ter começado pelo voto contra do Bloco.
Também surge a peregrina ideia de que a táctica do Bloco deve ser a da disputa da relação de forças ao centro. Foi nessa perspectiva que a nossa Marisa integrou a «Nossa Europa» esse saco de gatos sustentáculos do sistema ou a ele rendidos sem resposta às crises a não ser agravando-as contra os trabalhadores?
A «Nossa Europa» apresenta-se para explicar a UE aos pequeninos como se não fosse cada vez mais claro o seu papel na consolidação do poder da finança e no reforço das grandes potências europeias que são o ancoradouro, a base territorial e política daquele poder?
Entretanto a táctica de Rui Rio parece inclinar-se para obstaculizar uma política de bloco central que o PS acenou ao não querer negociar com o Bloco.
O PSD pode querer empurrar o PS para acordos à esquerda, para ganhar o tal centro. E o PS não contando com o PSD vai tentar acordos com um Bloco a deixar-se domesticar, na disputa da relação de forças no bloco central, esquecendo a revolta surda, nem sempre, dos que querem uma alternativa.
Terá sido na disputa da relação de forças do bloco central que o vereador e os assessores do Bloco de Esquerda – davam uma boa manifestação – não estiveram em defesa dos moradores, mulheres e crianças, postos ao relento no Bairro de Bensaúde. Nem o Vereador Manuel Grilo confrontou publicamente o Presidente da Câmara, cuja agenda, que devia justificar a denúncia do acordo, é marcada pelo impulso dos despejos e pela sagração do imobiliário.
A defesa SNS e do que foi adquirido com a Lei de bases da saúde, proclamada e bem pelo Bloco, dependia ou depende de acordos com o PS ou da boa vontade deste, que já quis avançar com a PPP de Cascais ou… da luta? O que é afinal a luta? Negociar com o PS? Ou dar perspectiva ao movimento popular, que passa fundamentalmente pelos trabalhadores da saúde como já foi na geringonça? E qué dos professores? E dos estivadores? O Bloco está com eles na luta ou a sua luta enfia-se no “Fórum das lutas”.
O Bloco é hoje ainda a única esperança, em Portugal, para a defesa da democracia e para a luta pelas transformações radicais cuja necessidade se avizinha.
Temos consciência disso. Mas teremos consciência da responsabilidade que recai sobre os nossos ombros e que é incompatível com a defesa de interesses pessoais, de grupo ou de seita mesmo que mascarada de tendência?
A resposta exige coragem, dignidade, ética e pensamento político crítico, marxiano!

viaesquerda.pt

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