quinta-feira, 14 de maio de 2020

Centeno passa da defesa ao ataque: Novo Banco “foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”

Durante a sua deslocação ao Parlamento, Mário Centeno abordou o Novo Banco no seu discurso inicial. Atirou-se ao PSD, a quem acusa de fazer intervenções para chamar a atenção em 10 segundos de telejorn

Um dia depois de ter dado uma entrevista à TSF onde explica o que falhou, entre o seu gabinete e o do primeiro-ministro, na transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco, Mário Centeno partiu ao ataque. Esta manhã, no Parlamento, resolveu trazer à liça a responsabilidade do PSD no processo, dizendo que “todos o conhecem desde o início” e que, se o problema existe, é porque o Novo Banco foi mal resolvido – foi, aliás, “a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”.
Durante a sua intervenção inicial, Mário Centeno começou por lembrar que “o Novo Banco não nasceu em 2019”. Se os empréstimo têm de ser feitos anualmente, argumenta o ministro, é porque, em 2014, aquando da separação do BES bom e do BES mau, “a seleção dos ativos foi mal feita, e incompetente. O banco que era novo e devia ser bom tinha ainda muito de mau”. Por causa da “resolução desordenada”, em 2016, o Estado pagou mais 1,5 mil milhões de euros em juros por causa do Novo Banco, argumentou ainda.
Por isso, a venda do Novo Banco e o acordo de transferências acabou por ser um mal menor, e tinha de ser feito, em nome da "estabilidade financeira", uma preocupação que "nem todos os governos no passado exerceram de forma competente no passado".
O PSD acusou o toque mas o deputado Afonso Oliveira ripostou que o discurso inicial “não foi para nós de certeza, foi para o sr. primeiro-ministro”, a quem o Ministério das Finanças se esqueceu de avisar da transferência.
O deputado quis saber o que o que motivou o desacerto entre António Costa e Mário Centeno, e se as Finanças fizeram a transferência à revelia do primeiro-ministro. Na resposta, o ministro das Finanças carregou ainda mais no tom: “Não, não foi à revelia do primero-ministro“. Não há nenhuma decisão do governo que seja feita à margem do Conselho de Ministros, diz Mário Centeno, que acusa o PSD de ter “assinado resoluções desastrosas na praia.”
Para Centeno, o PSD não tem presente a história, e "um decisor politico que não a conhece vive para os primeiros minutos do telejornal".
Insatisfeitos com a resposta o ministro, tanto o Bloco de Esquerda como o PCP voltaram à carga, para tentarem perceber, nomeadamente, como se justifica a desarticulação entre o gabinete do primeiro-ministro e o do ministro das Finanças.

O LAPSO FREUDIANO E A DIFERENÇA QUE UM “S” FAZ

“Insisto no que já esclareci”, repetiu Centeno: “Não há nenhuma contradição nem nenhum conflito na gestão governamental nesta matéria”, nem tão pouco “há falta de controlo político”. Muito menos há informação oculta: “Nunca escondi a esta assembleia nem aos portugueses que o risco máximo que teríamos com este mecanismo eram 3,9 mil milhões de euros”. “Nunca fugi à pergunta se havia risco sobre esta matéria”.
Mas, então, porque é que António Costa fez depender a transferência da auditoria? Duas horas volvidas sobre o início da audição no Parlamento, Centeno continua sem resposta para esta questão – e ontem, em entrevista à TSF, até disse que só o primeiro-ministro poderia fazê-lo – mas ensaiou uma espécie de explicação a Mariana Mortágua.
Numa intervenção muito crítica, a deputada do Bloco de Esquerda tinha concordado com a responsabilização histórica do governo PSD/CDS (“a seleção dos ativos foi incompetente e há uma auditoria que o banco de Portugal esconde há anos”) mas apontou também o dedo ao Governo atual, porque foi ele “que decidiu pagar os prejuízos e entregar o banco a um fundo privado. Foi o governo que decidiu não o tornar público”.
Na sua intervenção, Mariana Mortágua aludiu à falta de controlo dos dinheiros públicos e foi falando em auditoria no singular, e auditorias no plural, e Mário Centeno não deixou passar a subtileza.
Lembrando que existem cinco entidades a independentes umas das outras que têm como responsabilidade de controlar o Novo Banco, o ministro das Finanças sublinhou que, “talvez por lapso freudiano, a senhora deputada foi flutuando entre “auditorias” e “auditoria”. Ora, “o rigor que temos de seguir tem de ser proporcional ao rigor que colocamos nas respostas que recebemos”. Embora não o tenha dito diretamente, Mário Centeno parece ter deixado implícito que o desacerto com o primeiro-ministro se deveu a uma confusão entre as diversas "auditorias" no plural a que o Novo Banco é sujeito, uma explicação que o jornal Público tinha avançado no sábado.
Na réplica, Mariana Mortágua respondeu que “os únicos “esses” que sobressaem são os do Governo nesta matéria. Auditoria é só uma”, diz a deputada, é a da Deloitte, e foi a ela que o primeiro-ministro se referiu, garante a deputada.
Perante isto, António Costa “tem apenas de explicar uma coisa: porque é que esse compromisso não foi assumido? Há uma diferença entre uma falha de comunicação e um compromisso feito pelo primeiro-ministro perante a Assembleia da República. É uma incoerência que o Governo terá de esclarecer”.

QUEM TEM RAZÃO: MÁXIMO DOS SANTOS OU ANTÓNIO RAMALHO?

A “falha de comunicação” dentro do Governo sobre o empréstimo para o Novo Banco não foi o único percalço. Pelo meio, o Fundo de Resolução, liderado por Luís Máximo dos Santos, resolveu subtrair 2 milhões de euros ao bolo da transferência, para descontar o facto de a administração do Novo Banco ter reservado este montante para prémios, a distribuir em 2022. Fernando Anastácio, deputado do PS, quis saber o que pensa o ministro das Finanças sobre o tema. No fundo, quem tem razão: se Luis Máximo dos Santos, ao reter o dinheiro, se a administração do Novo Banco, que aspira por uma remuneração suplementar, até acima da que o BCP tinha definido para si.
Na resposta, Mário Centeno foi parco em explicações. Diz que “o Governo concorda com a orientação da EBA [a autoridade bancária europeia] sobre dividendos e prémios. E essa orientação foi a que o acionista Fundo de Resolução transmitiu ao Novo Banco”. Não explicou, contudo, porque foi o Fundo de Resolução a reter o dinheiro, e não o próprio Tesouro.
Mais à frente no debate, perante a insistência de Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que indagou se o ministério das Finanças "conhecia este bónus", se "aceitou esta proposta de remuneração" e "qual a política de remuneração do Novo Banco", Mário Centeno repeteria que “nós acompanhando o fundo de resolução temos uma opinião muito clara sobre os prémios”.
O ministro disse ainda que já iniciou os trâmites para desencadear a auditoria ao empréstimo deste ano. “No ano passado o processo foi mais demorado [a entrega da auditoria da Deloitte foi adiada para julho], mas este ano podemos poupar algum tempo”, diz Centeno, que lembra que tem de ser o Banco de Portugal a escolher o auditor.
expresso.pt

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