sexta-feira, 1 de maio de 2020

A TRADIÇÃO DE "ATACAR O MAIO" NO ALGARVE

Maio, maduro maio: tradições algarvias

Os romanos festejavam entre 30 de abri e 3 de maio as “floralias”, a festa dos cereais e das flores. O festival romano era dedicado a Flora, a deusa das frutas e flores, e celebrava a fertilidade do solo, dos animais e das pessoas. Na Grécia, o Protomagia assinalava o auge da floração e, por isso, faziam-se coroas de flores e ramos verdes. Na tradição celta, o festival Beltane celebrava-se na primeira noite do mês, com danças à volta da fogueira.
Mayas. […] em Roma se celebrava com ramos, hervas, e capellas de flores no mes de Mayo, por ser o tempo em que as plantas saõ mais viçosas […] Mayas ainda hoje se usaõ em Portugal nos Domingos e dias Santos do mês de Mayo, pondo se em algumas ruas humas mesas, cubertas com alcatifas, ou outros pannos, e se assenta em cada huma dellas huma menina, ou moça, bem vestida, que pede dinheiro às pessoas que passaõ. (Bluteau, 1716, p. 372)
Maia
Estômbar
Chapéu de empreita feita por Ema da Silva e cozido por Mariana Jacinto
Foto: MIR, 2013
Já a Primavera vai adiantada, as flores estão viçosas e alegram os campos, germinam as colheitas na terra depois das águas de abril. Maio é o mês das flores. Dá o nome a umas pequeninas conhecidas como «maias», nome popular da giesta, uma planta campestre, de ramos longos e delgados e flores amarelas e que, por esta altura cobre os campos.
Mas, «Maio» ou o «Burro» são entidades nocivas, cujo malefício se pretende conjurar com uma oposição de flores ou a manducação de certas espécies: as castanhas, os milhos, os figos, que mais garantia contra a fome. No Algarve, os figos secos, acompanhados de aguardente de medronho eram postos sobre a mesa para atacar o maio. “Maio” era nome impronunciável. Nomeava-se como “o mês que se segue a abril”, ou ficava-se em suspenso sem lhe dizer o nome, ou substituindo-o por “Burro” ou “Carrapato”. Nalguns sítios, avisa-se para não deixar o maio entrar: “cuidado, não deixes o maio entrar!”. Em Monchique, come-se o bolo do tacho, preparado com farinha de milho, açúcar amarelo, mel, banha, chocolate, erva-doce, canela, aguardente, café e azeite e «ataca-se o maio», comendo uma fatia de bolo, logo pela manhã, com um copo de aguardente, «para o Maio não entrar».
Bolo do tacho
Foto: MIR, 2019
Por isso, também, na noite antes de nascer o primeiro dia de maio, prendiam-se, nas manitas das portas, um raminho de giestas, penduravam-se nas ombreiras das portas ou janelas, atavam-se às ferraduras que, à entrada das casas e nas cortes do gado, nos prometiam boa sorte, punham-se em todos os lugares onde se queria esconjurar o mal. Tinha de ser à noite, para que, ao nascer do dia, o maio, não entrasse. A tradição terá a ver com o relato apócrifo e popular da Fuga para o Egipto: quando os soldados de Herodes procuravam Jesus, para o matar, foram avisados de que a Sagrada Família morava numa casa junto a uma giesteira e com a porta enfeitada por giestas; porém, quando chegaram à aldeia, todas as casas tinham ramos de giesta nas portas e não conseguiram encontrar o Menino. Daí que, na véspera do maio, à noite, se coloquem os ramos de giestas nas portas para não deixar o diabo entrar. Os ramos eram um esconjuro contra o mal e reflete ancestrais ritos de fertilidade para o novo ciclo agrícola.
Manda a tradição que ainda hoje, no 1 de maio, se procurem as giestas pelos campos, em grandes festas de grupo, geralmente, em burricadas, e que terminam invariavelmente com um piquenique. Era obrigatório o tacho de griséus, porque é o dia em que se comem os primeiros do ano: apanhavam-se e descascavam-se de madrugada para se manterem macios. É o “des-maio”. Além de se enfeitar portas e janelas com flores e giestas, todos punham um raminho de giestas, preso à blusa ou nos cabelos e as raparigas enfeitavam também um menino que representava o Maio Moço e passeavam-no pelas ruas fazendo grande ruído. Faz-se barulho, também, para afugentar o mal.
Inicialmente, as Maias eram meninas donzelas vestiam-se de branco e traziam coroas de flores. Sentavam-se às portas das casas ou nas açoteias e em frente delas se cantava-se e dançava-se um baile de roda, sem que elas pudessem reagir, nem sequer esboçar um sorriso ou pestanejar. Cantava-se “”O meu Maio moço / Ele lá vem / Vestido de verde / Que parece bem”. Aquela cujo baile tivesse mais gente era eleita a Maia da Aldeia (Medina, 2014).
[No Algarve] Em quasi todas as casa é costume arranjar-se uma grande boneca de centeio, farelo e trapos, que depois vestem de branco e cercam de flores. Chamam-lhe a Maia. A boneca é colocada sempre no meio da casa e de modo que seja vista por todas as pessoas que passam pela rua. Vem a noite, e começam os bailes em redor do mono, cantando as raparigas uma infinidade de cantigas. (Dâmaso, 1981, p. 33)
Que parece bem.As Maias são também bonecas de e palha de centeio e trapos, em torno das quais se dançava durante toda a noite do primeiro dia de maio e agora se colocam à porta de casa ou ao longo dos caminhos. No Algarve, mantém-se a tradição, com os bonecos isolados ou em casal, enfeitados com flores, sentados e a segurar no regaço ramos e frutos da região. Atualmente, cumprem o objetivo de crítica social, exposta em verso, nos cartazes que os acompanham, e representação da vida quotidiana.
Maia
Estrada Nacional 125, entre Olhão e Fuzeta
Foto: Lénia Medina, 2014
Referências bibliográficas:
Bluteau, R. (1716). Vocabulario portuguez e latino …(v. 5).  Lisboa: na Officina de Pascoal da Sylva.
Dâmaso, Reis (1881). Tradições poéticas do Algarve. In A vanguarda, n.º 47. Cit. in Vasconcelos, José Leite de. (1938). Opúsculos (v. 5). Lisboa: Imprensa Nacional.
Medina, L. (2014, 9 maio). Os Maios no Algarve. In Algarve meu Algarve (blogue). Acedido em http://algarvemeualgarve.blogspot.com/2014/05/os-maios-no-algarve.html

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