sábado, 29 de fevereiro de 2020

"Maus resultados na Europa? Falta qualidade na direção dos clubes"




Benfica, Sporting, FC Porto e Sporting de Braga, as quatro equipas portuguesas que garantiram o apuramento para os 16 avos de final da Liga Europa, acabaram eliminadas da prova da UEFA numa fase precoce, logo depois da fase de grupos. 

Foi um descalabro total da armada lusa na Europa e que obriga a que seja feita uma "reflexão profunda" a respeito da competitividade do futebol português, no entender de António Boronha.

O antigo vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) esteve à conversa com o Desporto ao Minuto, que procurou, junto do dirigente, encontrar uma explicação para esta autêntica razia dos emblemas lusos nas competições da UEFA em 2019/20.

"Falando contra mim, como dirigente, devo dizer que tenho 71 anos e vejo futebol desde os cinco ou seis. E a que assisti nos últimos 30 ou 40 anos? 
A uma subida do nível cultural e social dos jogadores e dos treinadores. E, em contrapartida, um decréscimo na qualidade dos dirigentes. 
Os dirigentes de há 50 anos eram referências, hoje parecem uma cambada de peixeiros, com todo o respeito pelos peixeiros. 

De forma que o problema dos maus resultados do futebol português a nível de clubes - não ao nível das seleções - parte muito da falta de qualidade da direção dos clubes", apontou António Boronha, que insistiu nas críticas à forma como os clubes são dirigidos em Portugal.

"Podemos falar das seleções, dos ótimos treinadores que temos - não há nenhum país com tantos bons treinadores espalhados pelo mundo como nós temos, um país com 10 milhões de habitantes - dos resultados que temos ao nível das seleções jovens e da formação... Qualidade e jeito para jogar à bola nós temos. Treinadores capazes e eficazes, como tem sido demonstrado ultimamente, também. José Mourinho, Jorge Jesus, Luís Castro, Paulo Sousa, Nuno Espírito Santo... são treinadores que dão cartas em todo o lado. No entanto, os dirigentes são um descalabro. De um modo geral, pois existem exceções, evidentemente", prosseguiu.

O antigo dirigente fez ainda questão de apontar o dedo aos comentadores que, tendo a oportunidade de defender os seus pontos de vista na televisão, acabam por provocar um ambiente em torno do futebol português que em nada beneficia o desenvolvimento da modalidade no nosso país.

"Depois, existe outro epifenómeno, que são aqueles programas desgraçados das televisões generalistas com comentadores que não são objetivos, imparciais, frios ou calculistas. 
Em vez disso, temos um reality show. O que isto provoca nos adeptos são paixões exacerbadas com as consequências que todos nós sabemos. Este conjunto de situações explica por que o futebol português tem bons praticantes, bons treinadores, mas maus resultados", defendeu.

Por um futebol mais racional

Para António Boronha, qualquer análise que se faça a este assunto tem de ser baseada na "razão", algo que, no seu ponto de vista, escasseia no futebol português.
"Deveria haver uma reflexão profunda. 
Menos paixão e mais razão. Não consigo explicar isto, mas realmente é estranho que, tendo quatro equipas nos 16 avos de final, sejam eliminadas todas. É uma coisa inaceitável e quase incompreensível", afirmou, antes de se pronunciar especificamente sobre os problemas que têm afetado as prestações de Sporting, Benfica e FC Porto.

"O caso do Sporting é flagrante. O Sporting é eliminado porque é uma equipa onde não há nada, não há uma estrutura, está em crise permanente. O Benfica há dois meses que perde, empate ou ganha pela diferença mínima. O FC Porto está em constantes altos e baixos. 
O Benfica tem qualidade, tem um grande plantel. Do Sporting não diria tanto. Mas, perante o adversário que era, porque há que ter em conta os adversários... o Benfica, o FC Porto ou o Sporting não estavam a defrontar o Barcelona, o Real Madrid, o Inter ou a Juventus. Nada disso. 
Eu não culpo os jogadores, isso é o mais fácil de fazer. Eu penso que, de um modo geral, os jogadores portugueses têm mérito total no estrangeiro, em equipas como o Wolverhampton, que é uma equipa mais portuguesa que as equipas portuguesas. 
Quer na direção técnica, quer nos protagonistas no campo. O jogador português tem uma qualidade extraordinária, relativamente à dimensão do país. Portanto, há que encontrar explicações", referiu.

A falta de competitividade e o papel da FPF

Uma das razões apontadas para o fraco desempenho das formações lusas na Europa foi a suposta falta de competitividade patente no primeiro escalão do futebol português. Uma ideia que merece a aprovação de António Boronha.

"Falta de competitividade na I Liga? Com certeza. É um facto. Vamos a Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Itália... e vê-se competição. Aqui não. Agora está um pouco melhor, mas porque o campeonato foi nivelado por baixo, não por cima. Aqui em Portugal, as equipas chamadas 'pequenas' cresceram muito, mas os 'grandes' caíram. Lá fora, isso não aconteceu, são competitivos. Aqui, eram os 'três grandes' e os outros palhacinhos. A Liga tem responsabilidade nisto, mas a Liga são os clubes, não são? Não é só o Pedro Proença", explicou.

"Depois, há a questão dos calendários. Nós temos dos calendários mais folgados comparativamente com outros países. Há países que têm invernos rigorosos e têm de parar durante três meses. Nós temos uma Liga pausada. Há que falar também nas transmissões em direto, que transformam isto num negócio. E têm de perceber se se preocupam com o negócio ou com o desporto. 
Eu não digo para esquecermos as transmissões televisivas, mas tem de se lidar com a situação de uma forma muito mais racional e eficaz, com a salvaguarda do espetáculo e da competitividade", continuou, para, de seguida, tentar encontrar a solução para todos estes problemas.

"Solução? A Federação tem um papel importante, nomeadamente nos dias de hoje, pois tem autoridade e credibilidade. Portanto, a Federação, juntamente com o Governo, no que diz respeito aos adeptos e a questões laterais ao futebol, podem remediar a situação. Mas isto é um problema complicado e nós sabemos que o futebol, nomeadamente os clubes, vivem do imediato, não do amanhã. 
No futebol português, vive-se no curto prazo. Quem vier atrás, que feche a porta. Como se resolve este problema? Talvez uma desinfestação fosse necessária, mas quem pode fazê-la? A Federação pode promover melhorias neste aspeto, e o Governo também. Há medidas que podem ser tomadas", considerou.
Luz ao fundo do túnel

Para António Boronha, o cenário é tão negro que o futebol português não pode bater mais fundo: a partir daqui, as coisas apenas podem melhorar.
"Só vejo sinais de que as coisas vão melhorar, pois fazer pior é impossível. Só por isso. Pouco mais temos para cair. Não no que diz respeito à qualidade dos nossos executantes ou dirigentes técnicos, mas sim no que diz respeito à capacidade - ou incapacidade - dos dirigentes das estruturas que tutelam os clubes e o futebol. Tem de haver uma reflexão profunda a este nível. Pior é impossível, por isso acredito que as coisas vão melhorar no curto-médio prazo", antecipou.



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