sábado, 29 de fevereiro de 2020

Os olhares de Catarina - Os novos trabalhadores rurais do Alentejo: entre a esperança e a discriminação

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O olhar de Catarina Eufémia, gravado no mural que celebra a sua mitologia em Baleizão, parece cruzar-se com o olhar da mulher de nome desconhecido do Hindustão que por ali passa. Talvez o olhar fugaz que a trabalhadora rural dos olivais e amendoais intensivos dos campos de Beja dirige ao rosto de Catarina questione que mulher e de que emancipação fala o mural. Nesse instante fotográfico, o olhar já não se cruza com o cravo imprescindível à memorabilia comunista. Provavelmente, nem tamanhos questionamentos e simbologias assolam a trabalhadora migrante. O seu mundo está antes ligado por um fio a um smartphone. Do outro lado, a milhares de quilómetros, estará uma voz familiar e uma condição de miséria que a levou a atravessar meio mundo em busca das migalhas da fatia do bolo que ditou que as muitas Catarinas Eufémias do hemisfério sul não tenham direito a uma vida digna. Muito menos que os seus nomes sejam recordados pelas múltiplas lutas que povoam a sua mera sobrevivência quotidiana.
A fotografia de André Paxiuta sugere o ponto de partida desta crónica. Em primeiro lugar, uma inquietação: o desencontro entre a migrante explorada nos grandes olivais de Beja e um mural que se revela afinal um muro de indiferença que percorre as vilas e campos do Alentejo para com aqueles que de fora aqui vêm trabalhar à jorna. Depois, uma pergunta que cedo se revela um equívoco e uma ilusão: como lidam os trabalhadores rurais alentejanos com a vaga dos trabalhadores rurais migrantes?
Inquietação
Se em números anteriores do Jornal MAPA abordámos a situação laboral de escravatura e as lutas específicas dos migrantes nos campos do Sul, regressamos para retratar um território que vive silenciosamente numa tensão social fracturante. A pergunta atrás formulada é equivocada porque a condição de trabalhador rural alentejano há muito que desapareceu, e ilusória porque a questão não se coloca verdadeiramente como prioridade a quem habita o território. E, quando é posto em praça pública, o problema corre o risco de afundar-se no preconceito racista. A inquietação persiste ao não nos depararmos com uma resposta positiva, possível e desejável. Uma resposta de solidariedade expressa entre os olhares cruzados dos filhos e netos, nascidos da geração de Catarina Eufémia, e os migrantes sem nome do Hindustão, do Leste europeu ou da África subsariana.
Situemo-nos antes de mais nesta paisagem forjada pelo homem e pelo trabalho rural. Afinal de contas, a presente e brutal transformação dos campos alentejanos apenas pode ser comparada com a conquista humana das charnecas, matos e florestas que moldou há cem anos atrás o Sul de Portugal nas planuras do celeiro da nação. Paisagem que hoje desaparece, repetida a avidez das grandes extensões de terra, numa transformação programada e apoiada com dinheiros públicos, em nome do lucro circunscrito proporcionado pelas culturas permanentes do olival e amendoal.
O que acontece a uma velocidade estonteante. Num fechar de olhos, perdemos os sentidos e acordamos emergidos numa outra terra qualquer. O olhar ferido pelo sol não vislumbra mais a planura e os montados que a salpicavam. A promessa foi cumprida. O Alqueva abriu as veias da sua água ao regadio da agroindústria de Évora a Beja. E onde o sol se põe, na aragem da costa alentejana, é o reflexo plastificado das estufas que fere a vista a caminho das falésias que se esboroam. É esse o novo Alentejo e todos sabíamos que aí vinha. Décadas de promessas, progresso e betão concretizadas. Surpresa mesmo, somente o assomo da vertigem com que de um dia para o outro o mar é em terra extensões de plástico e as encostas dos barrancos se vêm esquadrinhados em ruas de olival e amendoal, enevoados pela química, e as margens das ribeiras cortadas a perfil recto convidam o solo a conhecer definitivamente a sua aridez.
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Maravilhoso mundo novo…
A Maravilha Farms é uma das multinacionais norte-americanas de frutos vermelhos, junto com a Driscool’s instalada em Odemira. Há 10 anos em Portugal, representa cerca de 2% do universo da californiana Reiter Affiliated Companies (RAC). Actualmente, os lucros destas multinacionais ascendem a perto de 150 milhões de euros por ano. Com cerca de 150 hectares de produção, a Maravilha Farms prevê duplicar as estufas de framboesas, amoras e mirtilos, para 300 ha, anunciando um aumento de mão-de-obra de 60 a 70% dos 700 trabalhadores contabilizados (15% deles portugueses). Números à parte da mão-de-obra sazonal, que representam no fim de contas a espinha dorsal desta indústria. O plano de investimento da Maravilha Farms («Ambição 2021») fora apresentado em maio de 2017 nas instalações da empresa em São Teotónio, numa cerimónia presidida pelo primeiro-ministro António Costa.
Contrariando a ambição desse mar de estufas, o processo de avaliação ambiental, em fase final à data em que escrevemos, aponta um conjunto de indicações desfavoráveis ao Projeto Agrícola da Maravilha Farms a desenvolver em 84 ha de Alcaria Nova (São Teotónio), incluindo a base logística e administrativa da multinacional, centralizando as outras unidades produtivas já existentes na envolvente. Em causa está a violação dos princípios de conservação do Sítio de Importância Comunitária Costa Sudoeste e do próprio Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, espelhando uma preocupação crescente com esta ocupação excessiva no Perímetro de Rega do Mira.
Mas, para lá da evidência de crime ambiental, a expansão das estufas trouxe inevitavelmente ao de cima a questão social. Questão centrada sobretudo na habitação e na interacção social de diferentes comunidades, desde que há mais de uma década atrás chegaram a São Teotónio levas de búlgaros, hoje ofuscados pelos milhares de tailandeses, nepaleses, indianos e bengalis que ocupam toda e qualquer casa e casebre. O novo projeto agrícola previa inicialmente a construção de 19 edifícios para alojamento de 16 trabalhadores cada um, um refeitório, uma lavandaria e um posto de saúde. Contudo, em janeiro passado, a Maravilha Farms dá o dito por não dito e excluiu simplesmente a criação de espaços e equipamentos destinados aos trabalhadores temporários, quando questionada pela CCDR Alentejo relativamente ao escasso número previsto e ao compromisso social da empresa.
Quando só este projeto significará cerca de 1050 novos trabalhadores em época de colheitas, foi recebida com evidente incompreensão a conclusão do estudo de impacte ambiental de que não haveria impactes com significado sobre os fatores socioculturais locais. Em sentido contrário, a freguesia local tem vindo a apontar uma série de dificuldades inerentes ao aumento de pressão sobre os serviços públicos, desde a recolha de resíduos, saneamento básico, água, luz e comunicações. E neste cenário há quem acentue ainda que a corrida ao alojamento colide com o alojamento temporário do turismo da costa alentejana. Em ambos os casos, o ganho dos proprietários locais, à custa com os migrantes de casas sem condições, veio criar uma crise para a restante população incapacitada em suportar os custos de alojamento.
Numa freguesia que registava 6439 residentes nos censos de 2011, só o número de atestados de residência entre 2016, 2017 e 2018 evoluiu de 1758, 2788 a 3767 pedidos. Números que não reflectem fixação de população, mas sim a rotatividade dos migrantes, ditada por verdadeiros cartéis de trabalho precário, que operam legalmente em empresas de trabalho temporário. Essa demanda de centenas de trabalhadores para as estufas de frutos vermelhos espelha a constante da alma capitalista: lucros astronómicos garantidos por mão-de-obra barata e explorada. Uma condição inquestionada enquanto funciona como chantagem a uma possibilidade migratória que é mais favorável em Portugal para garantir uma passagem legal ao sonho europeu.
O certo é que esta miragem encarniçada do plástico não atraiu apenas multinacionais, mas envolve igualmente os pequenos proprietários de terras no sudoeste alentejano que instalam estufas com o retorno garantido pela Driscool’s e congéneres, recorrendo em igual medida ao anónimo recrutamento dos migrantes. Numa terra que acompanhou a tendência regional da rejeição da terra, enquanto actividade económica, pela terciarização da população local nos serviços públicos ou no sector turístico, há um regresso à terra: plastificada, na serventia e dependência da monocultura e pactuando com a desgraça dos outros.
Estufas e festivais
Lado a lado, distintas comunidades vivem entrincheiradas. Com os búlgaros e as populações de leste, que em boa parte acabaram por se fixar, os lugares comuns da criminalidade são mais acentuados, ainda que hoje mais esbatidos, do que os juízos populares para com as populações tailandesas e do Hindustão. Impronunciado existe um racismo encapotado ou latente na separação dos «locais» com as muitas populações estrangeiras de Odemira, o mais extenso município da europa. Numa população de 26104 habitantes (Censos de 2011), conforme dados da autarquia em 2017, 18,8% da população residente era migrante legalizada (4.912, na maioria asiáticos), constituindo 57,8% dos migrantes registados no Distrito de Beja. Já nesse ano a revista Visão apontava números não-oficiais de perto de 40 mil imigrantes.
O facto é que na escola de São Teotónio – onde decorre um sistema de ensino próprio, para integrar 22 nacionalidades – há pais portugueses que optam por deslocar os seus filhos para a vila de Odemira. O processo de integração atrasa o passo, enquanto o espaço público rejuvenesce num mosaico de diversidade. Idosos alentejanos perfilam-se nos bancos à esquina a ver o que se passa, mas ao largo e na rua são muitos os grupos de jovens asiáticos de cócoras. O espaço doméstico das casas passou com os novos habitantes para a soleira das portas e na rua, até porque a privacidade deixou de ser um garante no interior dos alojamentos sobrelotados.
Já no tortuoso mundo de gabinetes, alicerçados em fundos nacionais e comunitários para um conjunto instituído de associações e ONG, a integração dos imigrantes deu corpo a iniciativas e planos estratégicos, como o 2º Plano Municipal para a Integração de Migrantes 2018/2020, que garantiu a continuidade do Centro Local de Apoio ao Imigrante (CLAIM). Promovido pela TAIPA, funciona desde 2014 em São Teotónio e responde à procura da aprendizagem da língua portuguesa e como antecâmara do SEF no tratamento dos papéis. É financiado metade pelo município, via fundos europeus, a outra parte pela Associação de Produtores Agrícolas Lusomorango, empresas agrícolas (Sudoberry, Vitacress, Haygrove, Hall Hunter) e a empresa de trabalho temporário Multitempo.
Longe estão ainda os objectivos anunciados em planos e estratégias de «assegurar das condições de acolhimento e integração aos imigrantes residentes»; na «promoção das suas competências» (da língua portuguesa à participação) e na promoção «do conhecimento e a aceitação da multiculturalidade». O que se observa reduz-se a eventos e festividades «para português ver». No passado dia 16 de março, a celebração primaveril do Festival Holi, da Índia ao Nepal, chegou à festivaleira Zambujeira do Mar, onde à exuberância anunciada das cores hindus não faltaram bandeiras e hinos nacionais, colando à multiculturalidade o cunho da celebração nacionalista ou reduzindo a integração ao verniz do folclore pitoresco. Ilusoriamente poder-se-ia esperar que a partilha das expressões artísticas, por detrás do projecto Gira Mundo, que decorre do CLAIM e que promoveu o Festival Holi, para lá das partilhas nas redes sociais, possa quebrar o verniz deste projecto financiado pela Maravilha Farms e outras empresas agrícolas.
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O largo de Catarina
Regressamos a Baleizão. Ao nascer do dia no Largo Catarina Eufémia a multidão de migrantes a aguardar as carrinhas para os olivais e amendoais de Beja é imensa. Aqui é o busto de Catarina no centro do largo que se vê rodeado de tamanho movimento de trabalhadores rurais. Nem nos melhores tempos da Reforma Agrária, dizem-nos. Nesta freguesia alentejana, que nos censos de 2011 registava somente 902 habitantes, assistiu-se a um virar de página já depois da mais recente crise financeira ter de novo batido às portas da aldeia. Concluídos os blocos de rega do Alqueva, deixou de haver, com o incremento da agroindústria, motivo para a até aqui usual emigração para a Suíça dos jovens locais.
Tal como em São Teotónio há emprego e este é assumidamente diferenciado. O alentejano partilha com os espanhóis, chegados ao distrito de Beja, os cargos de gestores agrícolas, de supervisores das equipes, ou de tractoristas e afins. Depois, essa multidão dos novos trabalhadores rurais migrantes arregimentados nas voláteis empresas de trabalho temporário. E estes povoam agora Baleizão dando vida às ruas até há pouco desertas. No reverso da moeda, não valerá a pena repetir também aqui as condições de habitabilidade que envergonham este novo povoamento rural.
Os que chegaram primeiro vindos do Leste, romenos e moldavos sobretudo, permanecem reféns ou na sombra de esquemas mafiosos de tráfico humano, ainda que haja, tal como no litoral alentejano, quem se tenha instalado de modo permanente. Depois em trânsito pelos campos de Beja estão as diversas populações asiáticas, assim como aqui também os migrantes chegados da áfrica subsariana, do Senegal às diferentes Guinés. A presença desta imigração na região é em tudo contrária a qualquer ideia de «ameaça económica», antes pelo contrário, preenchem o trabalho duro e mal pago que os portugueses recusam, ao mesmo tempo que as suas prestações sociais ajudam a sustentar a segurança social nacional (em 2017 contribuíram com 603,9 milhões, dos quais beneficiaram apenas de 89,6 milhões). E mais descabida é a ideia de uma «ameaça demográfica». Num país envelhecido, conforme estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (2017), se não contarmos com os migrantes, os actuais 10,4 milhões de habitantes cairão para 7,8 milhões até 2060.
No entanto, a desejada fixação de novos povoadores permanece uma miragem na região e uma impossibilidade. Responsável: a falácia do próprio crescimento económico que atrai os imigrantes baseada na precariedade, salários baixos e trabalho agrícola sem escrúpulos. O que não significa que essa alma capitalista, a que já atrás aludíramos, não tenha laivos de beneficência no apelo à fixação de novas famílias. É o caso de António Ferreira, que tomou em mãos a herdade da família do Vale da Rosa, em Ferreira do Alentejo, vindo do Brasil depois de indemnizado em mais de um milhão de euros pela ocupação da terra, em 1975, por trabalhadores agrícolas no âmbito da Reforma Agrária. Na herdade trabalham mais de 500 funcionários, outros 500 na colheita das uvas de mesa. A maioria é desde há vários anos asiática. Agora há o projeto de duplicar a vinha e empregar 400 trabalhadores, uma centena integrada no quadro, os demais com contratos de seis meses para a apanha de uva. A oferta dos 400 não é dirigida aos migrantes asiáticos, mas aos luso-descendentes da Venezuela que se acantonam na ilha da Madeira. «O meu coração sofre com eles», desabafava ao Diário do Alentejo António Ferreira.
O sentimento compatriota faz também aqui a diferença com o «outro» asiático, que permanece com uma indiferença pactuada à sorte na engrenagem do trabalho precário. Tamanha distinção compatriota valeu igualmente o empenho autárquico local em procurar formas de financiar a recuperação de casas devolutas para alojar os imigrantes… luso-venezuelanos.
Lá na terra deles era pior
Ao colocarmos nesta crónica um ênfase inicial no paralelo entre o imaginário camponês das lutas rurais simbolizadas em Catarina Eufémia e a realidade destes novos trabalhadores rurais, corremos o risco de reduzir o nosso discurso a uma fórmula ideológica. Mas a validade desse paralelo não coloca em causa a chamada de atenção e o retrato de uma situação de fratura social. E não pretende esconder que a realidade em Baleizão e no restante Alentejo está hoje claramente afastada do imaginário ideológico. Não nos iludimos quanto a isso. O certo é que a indiferença social vai alargando dia para dia a distância entre os dois pólos desse paralelo que nos propusemos interrogar. Perante as vagas anónimas e temporárias de novas gentes, a diferença gera localmente medos e preconceitos, tal qual acontecia há um século atrás nos campos do Alentejo (ver caixa o Fio da Memória).
Resta inquirir porque não se gera a solidariedade. Porque não se cruzam os olhares entre as Catarinas de variadas latitudes nos campos alentejanos. Quando no largo central da vila alentejana, de Baleizão a São Teotónio, ouvimos o lavar das consciências lavrando a sentença «lá na terra deles era pior», isso não significa que não haja a noção de que os migrantes passam mal. Mas a distância entre as comunidades dá espaço à indiferença que se instala por diferentes ordens de razão.
Poder-se-ia começar por explicar essa indiferença por não existir efectivamente qualquer «consciência de classe». Na relação das pessoas, no trabalho, menos ainda para com quem surge do outro lado do mundo. Uma ausência de referentes sociais que espelha o consenso dominante, que recusa em colocar à actualidade uma visão crítica e de resistência ao modelo capitalista depredatório dos territórios. Territórios que são inevitavelmente lugares humanos delapidados.
É possível equacionar a integração dos migrantes e a revitalização do interior rural, permanecendo sem questionar o modelo económico depredatório dos recursos e do território que representa a industrialização sem limites do mundo rural? Um processo liderado já não pelas grandes famílias latifundiárias, que com maior ou menor dose de absentismo estavam ligados à terra, mas por sociedade de fundos de investimento e pela financeirização da agricultura apostada em monoculturas de rápida execução de lucros.
Mas a derradeira questão de fundo à distância e indiferença para com os novos trabalhadores rurais migrantes é que este é um problema que não se coloca naturalmente para quem nasceu no Alentejo sem qualquer relação com a terra. Ou, o mito dos mitos, que perdeu há muito qualquer relação com o trabalho rural. O êxodo migratório dos seus avós nos anos sessenta e as políticas agrícolas comuns desde os anos oitenta aos nossos dias, são dois momentos que testemunharam o afastamento das populações locais para longe da terra e definitivamente arrumaram a figura do «trabalhador rural», já em si mesma, um espectro fantasmagórico quando sucedeu o intervalo histórico do pós-25 de abril e da Reforma Agrária.
Depois do abandono, o regresso à terra e à agricultura, arriscamo-nos a dizer, é todo ele feito, seja por quem for, desprovido dos laços com o território e, como tal, desprovido dos laços de solidariedade e da vida comunitária outrora forjada nos campos. Será possível equacionar a integração dos migrantes e a revitalização do interior rural, permanecendo sem questionar o esvaziar da vida em comunidade?
O fio da memória
A chegada de trabalhadores de fora e as suas miseráveis condições de trabalho estão inscritas nos campos alentejanos. Na primeira metade do século passado – quando a campanha do trigo moldou a paisagem hoje dita tradicional – o trabalho à jorna fazia uso da miséria dos trabalhadores locais, os ganhões, mas não podia dispensar os ratinhos que chegavam das serranias das beiras ou os algarvios da serra. Na ceifa das planícies, já então a relação entre os locais e os de fora colhia preconceitos para com os que chegavam. Mesmo que partilhando necessidades e pobreza.
Hoje a pobreza não é partilhada em igual medida e esse fio da memória desapareceu. Porém, o fio acaba por enlear-se de novo no juízo imediato e racista para com o outro estrangeiro. Ou nesse linguajar desumano que muito ecoa a sul, denegrindo-os à laia de ciganos. Esquecidos que ainda ontem assim eram tratados os outros, esses portugueses, das beiras ou do algarve.
José Alves Capela e Silva (1884-1972), em Ganharias (1939), dava conta como «rato ou ratinho significa para a ganharia, uma coisa inferior, quási desprezível (…) E os ratos são esses sêres inferiores, que vivem do que podem apanhar, ou d’aquilo que lhe deixam». «População aventureira e miserável, que invade a planície — em contraste com os seus naturais em geral de temperamento sedentário, — à mingua de recursos nas suas terras, e que se sujeitam às mais baixas missões nas lavouras». «Desde que chegam até ao dia da abalada, sentem cair sobre eles o peso despótico do mundo que os rodeia», vaticinava Capela e Silva.
Manuel Ribeiro (1878-1941), em Planície Heróica (1927), obra que é por muitos considerado o momento alto do escritor mais lido nos anos vinte – anarco-sindicalista, fundador do Partido Comunista Português e místico espiritual por fim – legou-nos estes retratos do trabalho rural:
«Desconheciam-se pedintes, porque ninguém vivia ocioso. Poucos se assoldadavam. Ser jornaleiro, às sopas de outro, implicava uma degradação». E quando «pouco jornaleiro havendo, quem alombava com as grandes ceifas eram as récuas de algarvios da serra, rabosanos sediços, gente miúda, de citiliqué, que eles desdenhavam pelo seu feitio nómada e despegado, como os ratinhos, os pelotiqueiros e os ciganos, e sobretudo por não lavrarem terra nem semearem pão». Os «algarvios da serra», referidos no enleio do romance: «ia dizendo ao senhor compadre prior o Sr. José Mingorra – saíam das suas tocas serrenhas ao rebentar das ceifas e passavam toda esta quadra longe das suas serras e das suas mulheres, acoitando nos campos que ceifavam, não se chegando a monte nem a povoado, senão no cabo da empreitada, para fazerem contas e desencardir a morraça dos corpos nos pegos das ribeiras. A sua lida durava todo o tempo da aceifa, ele domingos e dias santos, desde o romper da manhã até ao pôr do ar do dia, quando não metiam pela noite adiante em havendo lua que se enxergasse. Sob o mando dum manageiro-capataz que não só dirigia a manobra, mas arneirava, emolhava e jogava a foice também, os corpos de aço, farruscos e encardidos, banhados de suor e ardidos das soalheiras, giravam numa dobadoira, buliam como endemoninhados, abatendo searas enormes com um vigor de atletas.
Não se ouvia uma fala, que o esforço do arranco e o frenesi da tarefa não davam margem a paleios, e com os dentes cerrados, ágeis e desengonçados, arrepanhavam às braçadas os feixes de trigo, degolando-os e atirando-os para trás.
– Raça danada estes algarvios da serra! – arremetia o Sr. José Mingorra. – Eu não sei como os diabalmas aguentam um trabalho destes, semanas e semanas. Amalham nos restolhos, quando Deus quer sem mantas, e enganam a fome com vinagradas e algum prato de grão e cheiro de toucinho, sem mais alimento nenhum». 

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Fotografias de André Paxiuta
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NINGUÉM O DOMOU ! - ANTÓNIO FERREIRA DE JESUS, 52 ANOS DE SEQUESTRO ESTATAL




52 anos de sequestro estatal!…
António Ferreira de Jesus, natural de Oliveira do Bairro, nasceu a 30 de Outubro de 1940 e faleceu a 6 de Novembro de 2013. Dos seus 73 anos de idade, passou 52 anos na prisão em Portugal, caso inédito na Europa. Apenas esteve 21 anos fora de muros.  Ou seja, sofreu 52 anos de sequestro estatal!…
António nasceu no seio da miséria económica, na qual viu morrer dois irmãos de tenra idade: um por fome; outro por falta de atenção e cuidados médicos. Inconformado com as desigualdades sociais e com o terrível terrorismo que constitui a violência económica, opôs- se ao roubo da vida – o salariato imposto pelo domínio – e começou a expropriar a classe dominante, tentando reapropriar-se da sua vida, preferindo antes o risco que acarreta a expropriação do que humilhar-se a mendigar ou sujeitar-se a um vil salário. 
Defendeu a sua mãe dos maus tratos do seu pai ao opôr-se energicamente a este quando mais uma vez a agredia, o que, a partir de então, nunca mais voltou a acontecer. Aos 17 anos de idade foi lançado para a prisão.  Depois de cumprir a condenação, obrigaram-no a cumprir uma célebre medida correcional  fascista na prisão-escola de Leiria 1. Junto a outros “filhos dos homens que nunca foram meninos”, fica chocado com a opressão aí existente. Em contacto com os presos políticos na penitenciária de Lisboa, ganhou consciência política. Cumpriu treze anos de prisão e sofreu 4 anos de isolamento e outros castigos.
António saíu da prisão tão revoltado que foi assaltar a prisão-escola de Leiria, com o objectivo de libertar os presos e atear fogo à prisão. E porque não pagavam os salários de uns trabalhadores, o seu sentimento de classe levou-o a  queimar a fábrica onde estes trabalhavam, eliminando primeiro o guarda da fábrica em auto-defesa, após uma luta corpo a corpo, antes que este o eliminasse. 
Realiza algumas expropriações. 
Tem a PIDE (polícia política do regime fascista) atrás de si. Um irmão, que teria participado no frustrado assalto à prisão-escola, chiba-o. É condenado à pena máxima do código penal de então: 24 anos de prisão e com “a delinquência” foi considerado de difícil correção 2. Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, a pena passa a 12 anos de prisão com a condição de sair a metade da pena, ou seja, aos 6 anos de prisão. 
Mas obrigaram-no, por ser um preso em luta, a cumprir a pena na sua quase totalidade; faltavam apenas uns meses para os doze anos quando o colocaram em liberdade condicional, dentro da qual, passado poucos meses, é condenado a 18 meses de prisão por posse de arma ilegal e com a respectiva condicional revogada. 
Em 1991 foi colocado em liberdade condicional quando lhe faltavam poucos meses para o fim da pena. Posteriormente, em 1994, é condenado a 10 anos por expropriações, sendo, ainda no mesmo ano,  condenado, conjuntamente com outros companheiros, a uma pena de 18 anos por sequestro e roubo a um famoso traficante de heroína.


da esquerda para a direita: Maurício, Tó, Soares, Juvenal
e a António Ferreira de Jesus, no pátio do campo de futebol do E.P. de Pinheiro da Cruz, em 1977







Por onde passou deixou rasto: na prisão-escola de Leiria, durante o regime fascista,  participou em vários protestos contra o miserável rancho e a prepotência. Na Penitenciária de Coimbra, depois do 25 de Abril de 1974,  amotinou-se  com outros presos durante semanas e esteve no cume da cúpula da prisão a comunicar para a população da rua através de um altifalante, ex-pondo os motivos do motim. 
De seguida, na prisão de Paços de Ferreira, é eleito presidente da associação de reclusos. 
Ocorre um motim no qual é morto um companheiro, que se encontrava a seu lado, por uma rajada de metralhadora. O Ferreira escapou por milímetros. O guarda, autor da rajada, comentou que a rajada era para o Ferreira e não para o outro.  
É transferido para a então Colónia Penal de Pinheiro da Cruz, onde é  armazenado, em total isolamento, numa cela na Ala 1, então desocupada, onde esteve mais de um ano só. “Só faltou darem-me uma corda para me enforcar”, palavras suas. Em 1976, ocorre um motim nessa  Ala, já ocupada por mais presos. Os presos subiram para o telhado da Ala e muitos deles foram barbaramente espancados. 
No curso de dinamização que levava os presos a tomar consciência de si mesmos e dos seus direitos, introduzido e leccionado então em várias prisões por pessoal de esquerda, com a total oposição das direções das prisões, António Ferreira é considerado pelas autoridades um radical pelas suas opiniões e tomadas de posição. A direita queixa-se e protesta nos meios de comunicação que os guardas é que são castigados em vez dos presos e que as prisões vivem em “anarquia”. 
Em 1978 é um dos principais organizadores da fuga feita por um túnel escavado ao longo de dezenas de metros de comprimento, por onde 123 presos (incluindo o Ferreira) se evadiram da prisão de Vale de Judeus, para onde acabara de ser transferido desde Pinheiro da Cruz. 
É capturado passado semanas. Seguem-se vários motins, planos de fuga, greves de fome, protestos, reivindicações e incontáveis (de tão numerosas) denúncias feitas aos meios de comunicação e outros organismos, onde o seu nome se encontra associado, bem como castigos com o isolamento de toda a população prisional. 
Sofreu imensas transferências pela calada da noite, umas vezes para outras alas ou para celas disciplinares; outras vezes para outros isolamentos, com regime 111º 3; outras vezes para outras prisões como castigo informal e para desmobilizar lutas.  O tratamento discriminatório e a má-fé sobre as papeladas relacionadas com o cúmulo jurídico de penas, pleno de irregularidades processuais, torturou-o profundamente, levando-o a uma situação equivalente a uma condenação perpétua encapotada e deixando-o com todas as incertezas e esperanças tiradas por terra.
Contudo, sempre se manteve firme perante o poço sem fundo para onde o lançaram. Já quase com 70 anos de idade, na prisão de Pinheiro da Cruz, recusou-se a mudar de Ala e disse aos carcereiros, com valentia e decididamente: 
“Daqui não saio! Eu pelo meu pé não saio! 
Só saio à força ou passando por cima do meu cadáver!” 
Os mercenários ficaram estupefactos, mas a troco do vil salário, cumpriram a ordem superior e levaram-no à força, mas não pelo seu pé; levaram-no em maca, não para outra Ala, mas para o violento castigo de total isolamento (equivalente ao revogado, em 2009, regime 111º), no Big Brother 4, a prisão dentro da prisão, separado rigorosamente de toda a população prisional, como represália pela sua insubmissão. Entrou em greve de fome, de sede e de silêncio imediatamente. 
Uma greve de silêncio que implicou que nem uma palavra fosse dirigida ao inimigo: carcereiro ou quaisquer outros funcionários ligados ao Estado. Os carcereiros tentaram falar com ele, e nada: nenhuma resposta obtida; foi a assistente social, e nada; foi a educadora, e nada; foi a psicóloga, e nada; foi o enfermeiro, e nada; foi o médico, e nada; foi o psiquiatra, e nada. “Chega! É impossível o diálogo com os opressores!”, disse para si mesmo. 
“O homem está louco!”, afirmaram. 
“Não sabiam o que fazer… Andavam como baratas tontas, sem saber que decisão tomar”, observação sua. Apenas aceitou falar com o seu último advogado, José Preto. Esta luta envelheceu-o muito e deixou-o muito debilitado a nível de saúde. Depois de lhe roerem os ossos e a carne, quando se encontrava quase com os pés para a cova, meio cego e com diabetes, e já com alguns AVCs sofridos, foi restituído, a 15 de Março de 2012, à “liberdade”, talvez para evitar engrossar a escandalosa estatística da mortandade dentro das prisões…
Quantas mortes de companheiros não viu ele? (Toda a morte dentro da prisão é crime de Estado!). Quantos bárbaros espancamentos a companheiros não viu ele? Quanta degradação não viu ele? Quanto terrorismo não constitui o que ele sofreu e viu sofrer? Quanta tortura não sofreu ele? (A prisão já por si é tortura!…). Quantas vezes não foi induzido ao suicídio? Quantas ameaças de morte não sofreu?
Recusava terminantemente enviar car- tas de forma legal, porque lhe repugnava profundamente a censura e a vigilância que estas sofriam. 
Ficava quase doente de  tanta repugnância e indignação que sentia com a devassa dos seus dossiês, dissimulados entre outras papeladas relacionadas com os seus processos para despistar os carcereiros. Muitas vezes chegou mesmo a ocorrer o roubo desses mesmos dossiês por parte dos carcereiros durante as rusgas. 
Os seus dossiês eram compostos, entre outros papéis,  maioritariamente por anotações sobre presos espancados por carcereiros, sobre presos mortos, muitos dos quais de forma suspeita por parte dos carcereiros e outros por falta de assistência médica, além de variadíssimas exposições para vários organismos e cadernos reivindicativos. 
Estava sempre atento ao que se passava. Tudo quanto tinha conhecimento, anotava com os devidos pormenores, as datas e respectivos nomes dos responsáveis, e guardava junto com os diversos objectos que tinha na cela.
António Ferreira, indivíduo resistente e com princípios, ética e grande firmeza de ânimo, foi o represaliado, o perseguido, o castigado dentro do castigo com isolamentos vários 5, por não se calar em relação à dilacerante monstruosidade que representa a instituição prisão – qual centro de extermínio! -, por defender a sua dignidade e ser solidário com os seus companheiros. Preferia antes morrer do que deixar-se espezinhar na sua dignidade, considerado por si o seu bem mais precioso.
Palavras do António Ferreira escritas na sua providência cautelar enviada a vários organismos nacionais e internacionais desde a prisão de Vale de Judeus no ano de 2005: 
Dentro da prisão defendo ideias e convicções, por isso sou perseguido. Defendo a minha dignidade, por isso sou perseguido. Escrevo para a imprensa desde 1974, por isso sou perseguido. Tornei-me sócio e correspondente de organizações  de Defesa dos Direitos Humanos e dos Reclusos, por isso sou perseguido. Professo ideias libertárias, por isso sou perseguido. Chamo a atenção em relação ao incumprimento das suas próprias regras, à sistemática violação da Reforma Prisional (Dec. Lei 265/79), por  isso sou perseguido. Combato a corrupção, o abuso de poder, a violência gratuita, a incompetência, a sujeição dos presos a trabalhos com salários de escravatura, por isso sou barbaramente perseguido. Finalmente (não tão finalmente como isso…) sou testemunha  de acusação (aqui entramos na parte mais delicada para eles, e a mais perigosa para mim!) em vários processos que correm  nos tribunais contra funcionários desta prisão (Vale de Judeus) que ali são constituídos arguidos na qualidade de presumíveis implicados em crimes de corrupção, abuso de poder e morte de reclusos. Por isso sou odiado, perseguido, reprimido e ameaçado de morte!”
Graffiti de homenagem ao António (Setúbal, Dezembro de 2013)

Graffiti de homenagem ao António (Setúbal, Dezembro de 2013)







Não obstante todas as obstruções inerentes à prisão, através do seu esforço próprio aprendeu a ler, a profissão de radiotécnico, de serralheiro e de torneiro mecânico com a categoria de profissional. Era um autodidacta. 
Leu livros sobre história, sociologia, política, marxismo, anarquismo, filosofia, ecologia, psicologia, psiquiatria, antipsiquiatria, física, química, astronomia, astrologia e ciência. 
Quanto mais lia, mais consciência de si ganhava, logo mais revoltado se encontrava. E as palavras para ele tinham significado. 
Não era um retórico e um malabarista da palavra. Pensava pela sua própria cabeça, logo era considerado perigoso para o sistema. Não era nada indiferente ao que ocorria à sua volta, tanto local como globalmente. 
Pelo contrário: era um indivíduo socialmente informado e preocupado. E comentava com espanto, preocupado e todo exaltado, “por que é que as pessoas fora dos muros não se revoltam ao ponto de pôr as estruturas do domínio que as destrói de patas ao ar?!… Como é que as pessoas ainda continuam a papar o discurso dos políticos e a sustentar o domínio que as submete a “viver” na ignomínia?!”. Ele vibrava com indignação selvagem com o que se passava perto de si, bem como fora de muros. 
Sim, selvagem porque nunca se deixou domesticar. Ele era insubmisso e manifestava os seus sentimentos de uma forma nada ambígua. 
Era frontal e desprezava as “boas maneiras” sociais nas quais encontrava muita hipocrisia e representação. Ele sentia as injustiças deste mundo de uma forma exaltada, palpitante e com um profundo desejo de combatê-las com todas as suas forças e capacidades. 
Ah!, como ele comentava, barafustava, estrilhava, sofria e vivia os acontecimentos que lhe chegavam através dos jornais, da rádio (ainda não havia televisores nas celas na altura) e mais adiante através da televisão! E como ele conhecia tão bem a mentira do discurso do estado!… Como lhe repugnava o discurso charlatão e mentiroso dos políticos!… Era um inadaptado dentro e fora dos muros.
O António Ferreira, referência para os companheiros que não se deixam degradar e vender, era visto e sentido com simpatia e fascínio pelos que o rodeavam como um companheiro na verdadeira acepção da palavra. Fazia palestras e esclarecia os seus companheiros que desconheciam os seus direitos. Inspirava total confiança e companheirismo entre estes. 
Era solidário e generoso, homem de palavra, sempre ao lado dos seus companheiros, fomentando o companheirismo, a leitura de bons livros, a luta pela defesa da dignidade e da liberdade, insuflando ânimos, força interior e resistência para o avançar da luta contra os aguilhões do poder. 
Ele era um indivíduo altivo, indomável, inimigo da autoridade, lutador, andava sempre em constante estado de indignação, sempre a ferver e a arder de profunda revolta, e constantemente em confrontação contra os carcereiros e outros serventuários do poder, contra a instituição prisão, de uma forma corajosa, com valentia e determinação exaltada e destemida, o que, por vezes, chegava a assustar os companheiros mais próximos pelas consequências que daí poderiam surgir para si. 
Ele transpirava revolta por todos os seus poros. 
E muitas vezes era visto e sentido como uma bomba prestes a explodir, de tanta revolta impregnada em todo ele.
Os detractores, alguns que fazem e desfazem a história, pessoas que com a versão policial na boca pareciam mais polícias do que a própria polícia no sentido de inventarem histórias (como a mentira sobre a morte de um pastor e do seu cão pela qual o António teria sido condenado), trataram de pintá-lo como um imoralista, de criar juízo público e de fabricar opinião, no entanto não poderão apagar o que o António Ferreira foi e representa, e toda a extraordinária consideração de todos os presos em luta e outro/as companheiro/as que o conheceram e partilharam com ele momentos, tanto fora como dentro da prisão. 
Ninguém pretende colocá-lo num pedestal, ele seria o primeiro a recusá-lo porque não aceitava pedestais para ninguém. No entanto é importante pôr os pontos nos is. Tinha a capacidade de reconhecer os seus erros dentro dos caminhos de fora-da- lei, nunca o fez perante o Estado, ao qual não reconhecia qualquer legitimidade. 
O currículo destes detractores e pseudo-críticos, alguns dos quais jornalistas-polícia, comparado com a sua folha de serviço, só revela demagogia, servidão ao Poder e muitos sapos vivos engolidos devido à sua cumplicidade para com este. 
Mas o que sabem estes hipócritas e falsos moralistas sobre o que é viver constantemente sobre o fio da navalha e em rebelião permanente contra o poder e as suas várias ciladas? O que sabem eles de dignidade? 
Alguns não sabem nada da luta clandestina e o que isso implica e significa. E nenhum cabelo deles chegaria aos calcanhares do António em termos de estar neste mundo em confronto constante, ainda que submetido às piores condições da prisão que é a máxima expressão da opressão.
Ele deixava os carcereiros e outros funcionários estupefactos e amedrontados com as suas invectivas, ameaças de denúncia e reivindicações proferidas em alto e bom som, fazendo ressoar o eco das suas palavras pelas paredes da sufocante arquitectura prisional.
Na década de 80, na prisão de Pinheiro da Cruz, por ordem arbitrária dos carcereiros, todos os presos que se encontravam no pátio do campo de futebol saíram excepto o Ferreira, que enfrentou como um leão, peito a peito, um sub-chefe e outros carcereiros, com um rol de acusações de corrupção e de espancamentos a presos, deixando-lhes as caras vermelhas, inchadas de ira e com o rabo entre as pernas. Ele tinha informação de muita da corrupção e podridão existente na prisão e jogava com essa informação com frontalidade e destemidamente.
Nenhum carcereiro o espancou. Dizia em alto e bom som: “Não permito, em circunstância alguma, que nenhum carcereiro me toque nem sequer com uma unha. Morro de seguida, mas primeiro mando-o imediatamente para a “sucata”!
O Ferreira era o que não falava com eles (bófias e outros funcionarios da prisão), e todo aquele que fosse visto a falar muito com eles era considerado suspeito para si. Ele tinha os carcereiros e muitos presos armados em polícias, vigiando cada passo que dava. 
Todos os presos que se atreviam a acompanhá-lo no recreio ficavam registados a tinta vermelha nos seus processos internos, o que, só por si, os estigmatizava e prejudicava de forma informal e prepotentemente nos processos para saída em liberdade condicional e em relação aosseus direitos.

memoria


Para preservar o mais profundo do seu eu, a sua dignidade, a sua personalidade, depois destes 52 anos de prisão, criou toda uma couraça, composta de amargura, azedume, aspereza e simultaneamente misturada com uma exaltada e assustadora revolta, que chegava por vezes a afastar o/as companheiro/as mais chegado/as a si. Só quem o conhecia um pouco mais a fundo sabia da sua grande sensibilidade e generosidade, bem como de alguns dos seus sonhos que o faziam avançar e resistir. 

O António manifestou várias vezes em público o seu profundo agradecimento pela extraordinária solidariedade que recebeu de companheiros/as tanto a nível nacional como internacional e que devido a esse apoio conseguiu resistir e escapar de ser morto na prisão. Solidariedade essa que não lhe faltou à saída da prisão e que lhe deu um tecto até ao seu último dia de vida. Bem hajam a todas/os estas/es companheiras/os!
É com profunda simpatia, companheirismo e amizade que partilhamos a sua memória, e com profunda dor que sentimos o seu falecimento.
O espírito do António Ferreira não morreu! Até sempre companheiro!Do/as teus/tuas companheiro/as.
José Alberto
Notes:
  1. Pena de prisão aplicada no regime fascista por “mau com- portamento” para além da pena inicial. ↩
  2.  No código penal fascista, quando um tribunal condenava um indivíduo a uma pena qualquer, por exemplo, de 5 anos de prisão e com a delinquência, isto significava que o indivíduo poderia cumprir, à parte dos 5 anos, mais um período de pena de 3 anos;  e se o indivíduo tinha uma outra sanção disciplinar, aplicavam-lhe outro período de 3 anos; e se voltava a ter outro castigo, acrescentavam-lhe outro período de 3 anos, ou seja, o indivíduo poderia cumprir no total: 5 + 3 + 3 + 3 = 14 anos de prisão. No caso do António, se não tivesse ocorrido o 25 de Abril de 1974, poderia ter cumprido 24 + 3 + 3 + 3 = 33 anos de prisão. A delinquência era uma medida punitiva que poderia ir até 3 períodos de penas de 3 anos de cada vez, que poderiam ser acrescentadas à pena inicial, de acordo com os critérios das direcções das prisões.  E ser considerado de difícil correcção pelo tribunal implicava medidas de vigilância muito especiais sobre o indivíduo. ↩
  3. Em 2009 o poder legislativo substituiu o regime 111º por outro equivalente. O artigo 111º do decreto-lei nº 265/79 de 1 de Agosto diz: Medidas especiais de segurança 1- Podem ser aplicadas ao recluso medidas especiais de segu- rança quando, devido ao seu comportamento ou ao seu estado psíquico, exista perigo sério de evasão ou da prática de actos de violência contra si próprio ou contra pessoas ou coisas. 2- São autorizadas as seguintes medidas especiais de segurança: a) Proibição do uso de determinados objectos ou a sua apreensão; b) Observação do recluso durante o período nocturno; c) Separação do recluso da restante população prisional; d) Privação ou restrições à permanência a céu aberto; e) Utilização de algemas; f) Internamento do recluso numa cela especial de segurança. 3- A aplicação das medidas previstas no número anterior é autorizada quando de outro modo não seja possível evitar ou afastar o perigo da tirada ou de fuga de reclusos ou quando exista perturbação considerável da ordem e da segurança do estabelecimento. 4- As medidas especiais de segurança mantêm-se apenas enquanto durar o perigo que determinou a sua aplicação. 5- As medidas referidas no nº 2 não podem ser utilizadas a título de medida disciplinar. ↩
  4. . Big Brother designa o nome que os presos deram à prisão construída (de forma sofisticada e cheia de câmaras de video-vigilância) dentro da prisão de Pinheiro da Cruz na década de noventa, totalmente separada e isolada, ao ponto de só os guardas ou outros funcionários prisionais, excepto os advogados, poderem ter contacto com os presos aí isolados separadamente entre si, em autênticas gaiolas de cimento armado e aço. ↩
  5.  A prisão em si é castigo/tortura. O indivíduo condenado a pena de prisão já está a sofrer castigo e dentro do castigo que é a prisão sofre outros castigos, como por exemplo, em celas de “habitação”, em celas disciplinares, em regimes de total isola- mento, com separação de toda a população prisional, etc., para além das prepotências inerentes a quem exerce autoridade. ↩

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"Maus resultados na Europa? Falta qualidade na direção dos clubes"




Benfica, Sporting, FC Porto e Sporting de Braga, as quatro equipas portuguesas que garantiram o apuramento para os 16 avos de final da Liga Europa, acabaram eliminadas da prova da UEFA numa fase precoce, logo depois da fase de grupos. 

Foi um descalabro total da armada lusa na Europa e que obriga a que seja feita uma "reflexão profunda" a respeito da competitividade do futebol português, no entender de António Boronha.

O antigo vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) esteve à conversa com o Desporto ao Minuto, que procurou, junto do dirigente, encontrar uma explicação para esta autêntica razia dos emblemas lusos nas competições da UEFA em 2019/20.

"Falando contra mim, como dirigente, devo dizer que tenho 71 anos e vejo futebol desde os cinco ou seis. E a que assisti nos últimos 30 ou 40 anos? 
A uma subida do nível cultural e social dos jogadores e dos treinadores. E, em contrapartida, um decréscimo na qualidade dos dirigentes. 
Os dirigentes de há 50 anos eram referências, hoje parecem uma cambada de peixeiros, com todo o respeito pelos peixeiros. 

De forma que o problema dos maus resultados do futebol português a nível de clubes - não ao nível das seleções - parte muito da falta de qualidade da direção dos clubes", apontou António Boronha, que insistiu nas críticas à forma como os clubes são dirigidos em Portugal.

"Podemos falar das seleções, dos ótimos treinadores que temos - não há nenhum país com tantos bons treinadores espalhados pelo mundo como nós temos, um país com 10 milhões de habitantes - dos resultados que temos ao nível das seleções jovens e da formação... Qualidade e jeito para jogar à bola nós temos. Treinadores capazes e eficazes, como tem sido demonstrado ultimamente, também. José Mourinho, Jorge Jesus, Luís Castro, Paulo Sousa, Nuno Espírito Santo... são treinadores que dão cartas em todo o lado. No entanto, os dirigentes são um descalabro. De um modo geral, pois existem exceções, evidentemente", prosseguiu.

O antigo dirigente fez ainda questão de apontar o dedo aos comentadores que, tendo a oportunidade de defender os seus pontos de vista na televisão, acabam por provocar um ambiente em torno do futebol português que em nada beneficia o desenvolvimento da modalidade no nosso país.

"Depois, existe outro epifenómeno, que são aqueles programas desgraçados das televisões generalistas com comentadores que não são objetivos, imparciais, frios ou calculistas. 
Em vez disso, temos um reality show. O que isto provoca nos adeptos são paixões exacerbadas com as consequências que todos nós sabemos. Este conjunto de situações explica por que o futebol português tem bons praticantes, bons treinadores, mas maus resultados", defendeu.

Por um futebol mais racional

Para António Boronha, qualquer análise que se faça a este assunto tem de ser baseada na "razão", algo que, no seu ponto de vista, escasseia no futebol português.
"Deveria haver uma reflexão profunda. 
Menos paixão e mais razão. Não consigo explicar isto, mas realmente é estranho que, tendo quatro equipas nos 16 avos de final, sejam eliminadas todas. É uma coisa inaceitável e quase incompreensível", afirmou, antes de se pronunciar especificamente sobre os problemas que têm afetado as prestações de Sporting, Benfica e FC Porto.

"O caso do Sporting é flagrante. O Sporting é eliminado porque é uma equipa onde não há nada, não há uma estrutura, está em crise permanente. O Benfica há dois meses que perde, empate ou ganha pela diferença mínima. O FC Porto está em constantes altos e baixos. 
O Benfica tem qualidade, tem um grande plantel. Do Sporting não diria tanto. Mas, perante o adversário que era, porque há que ter em conta os adversários... o Benfica, o FC Porto ou o Sporting não estavam a defrontar o Barcelona, o Real Madrid, o Inter ou a Juventus. Nada disso. 
Eu não culpo os jogadores, isso é o mais fácil de fazer. Eu penso que, de um modo geral, os jogadores portugueses têm mérito total no estrangeiro, em equipas como o Wolverhampton, que é uma equipa mais portuguesa que as equipas portuguesas. 
Quer na direção técnica, quer nos protagonistas no campo. O jogador português tem uma qualidade extraordinária, relativamente à dimensão do país. Portanto, há que encontrar explicações", referiu.

A falta de competitividade e o papel da FPF

Uma das razões apontadas para o fraco desempenho das formações lusas na Europa foi a suposta falta de competitividade patente no primeiro escalão do futebol português. Uma ideia que merece a aprovação de António Boronha.

"Falta de competitividade na I Liga? Com certeza. É um facto. Vamos a Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Itália... e vê-se competição. Aqui não. Agora está um pouco melhor, mas porque o campeonato foi nivelado por baixo, não por cima. Aqui em Portugal, as equipas chamadas 'pequenas' cresceram muito, mas os 'grandes' caíram. Lá fora, isso não aconteceu, são competitivos. Aqui, eram os 'três grandes' e os outros palhacinhos. A Liga tem responsabilidade nisto, mas a Liga são os clubes, não são? Não é só o Pedro Proença", explicou.

"Depois, há a questão dos calendários. Nós temos dos calendários mais folgados comparativamente com outros países. Há países que têm invernos rigorosos e têm de parar durante três meses. Nós temos uma Liga pausada. Há que falar também nas transmissões em direto, que transformam isto num negócio. E têm de perceber se se preocupam com o negócio ou com o desporto. 
Eu não digo para esquecermos as transmissões televisivas, mas tem de se lidar com a situação de uma forma muito mais racional e eficaz, com a salvaguarda do espetáculo e da competitividade", continuou, para, de seguida, tentar encontrar a solução para todos estes problemas.

"Solução? A Federação tem um papel importante, nomeadamente nos dias de hoje, pois tem autoridade e credibilidade. Portanto, a Federação, juntamente com o Governo, no que diz respeito aos adeptos e a questões laterais ao futebol, podem remediar a situação. Mas isto é um problema complicado e nós sabemos que o futebol, nomeadamente os clubes, vivem do imediato, não do amanhã. 
No futebol português, vive-se no curto prazo. Quem vier atrás, que feche a porta. Como se resolve este problema? Talvez uma desinfestação fosse necessária, mas quem pode fazê-la? A Federação pode promover melhorias neste aspeto, e o Governo também. Há medidas que podem ser tomadas", considerou.
Luz ao fundo do túnel

Para António Boronha, o cenário é tão negro que o futebol português não pode bater mais fundo: a partir daqui, as coisas apenas podem melhorar.
"Só vejo sinais de que as coisas vão melhorar, pois fazer pior é impossível. Só por isso. Pouco mais temos para cair. Não no que diz respeito à qualidade dos nossos executantes ou dirigentes técnicos, mas sim no que diz respeito à capacidade - ou incapacidade - dos dirigentes das estruturas que tutelam os clubes e o futebol. Tem de haver uma reflexão profunda a este nível. Pior é impossível, por isso acredito que as coisas vão melhorar no curto-médio prazo", antecipou.



www.noticiasaominuto.com 




O PADRÉCO MOR E O VENTURA

Ora aqui está ! o padréco mor há dias dizia estar "zangado" com o nazi Ventura por causa das declarações que fez sobre o Marega.
Já fizeram as pazes ou o padréco mor também julga que todos os portugueses ligam alguma às suas opiniões políticas que por sinal foram e são iguais às do "CHEGA" fascista.

ANOS BISSEXTOS





De quatro em quatro anos temos um ano com 366 dias, este é denominado ano bissexto.
Ele foi criado para ajustar o calendário anual ao movimento de translação da Terra.
O planeta Terra leva em média 365 dias e 6 horas para completar seu movimento de translação, isto é, uma volta completa em torno do sol.
Em razão dessas 6 horas excedentes fora criado um ano com 366 dias, denominado bissexto, que ocorre de quatro em quatro anos, tempo necessário para que o acúmulo das 6 horas gere um dia a mais no calendário.
O objetivo de criar o ano bissexto era de ajustar o calendário anual ao movimento de translação da Terra e às estações do ano. Caso o ano bissexto não fosse criado, com certeza teríamos prováveis imprevistos nos equinócios e solstícios, pois o calendário ficaria defasado e o dia em que se comemora o início do inverno, por exemplo, poderia passar a não coincidir com o evento. O mês escolhido para se ter um dia a mais no ano bissexto foi fevereiro, que passa a ter vinte e nove dias.
Para calcularmos se um ano é bissexto utilizamos uma regra bastante prática, se o ano não terminar em 00 e for divisível por 4 dizemos que ele é bissexto. Um número é divisível por 4 quando a sua dezena é divisível por 4. Por exemplo, 1988 é divisível por 4, pois 88:4 = 22. Portanto, os seguintes anos são bissextos: 1988, 1992, 1996, 2000, 2004, 2008, 2012, 2016, 2020, 2024, 2028, 2032, 2036, 2040, 2044, 2048, 2052, ... . Os anos terminados em 00 serão bissextos se a divisão deles por 400 for exata, isto é, o resto da divisão precisa ser igual a zero.
Anos terminados em 00
400 – bissexto
500 – não bissexto
600 – não bissexto
800 – bissexto
1200 – bissexto
1500 – não bissexto
1700 – bissexto
1800 – não bissexto
1900 – não bissexto
2000 – bissexto
2100 – não bissexto
2200 – não bissexto
2300 – não bissexto
2400 – bissext
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