quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Em quatro anos, número de pessoas em situação sem-abrigo em Portugal aumentou 157%


Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apontam para o aumento do número de pessoas em situação sem-abrigo. Identificar as situações de risco, atuar antes de alguém ficar na rua e melhorar os mecanismo de recolocação são algumas das medidas que a OCDE aponta como cruciais.  

O número de pessoas em situação sem-abrigo em Portugal aumentou 157%, num período de quatro anos - entre 2014 e 2018, ano que registaram 3396 pessoas sem um teto. Os dados constam do último relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo foi criada pelo Governo português em 2009, mas muitas medidas não saíram do papel e há cada vez mais gente nas ruas. 
O estudo “Melhores dados e políticas para combater a falta de casa na OCDE”, publicado esta terça-feira, fez uma análise à realidade das pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo em 35 países e o cenário não é animador: “A falta de casa aumentou em cerca de um terço dos países da OCDE nos últimos anos”, lê-se no documento. A par com Portugal, a taxa de pessoas sem teto também aumentou em países como Austrália, Chile, Inglaterra, França, Irlanda, Islândia, Letónia, Luxemburgo, Países Baixos, Nova Zelândia, Escócia, Estados Unidos e País de Gales.
“Os rostos das pessoas sem casa são cada vez mais diversos. Em muitos países, a falta de moradia tornou-se mais prevalente entre mulheres, famílias com crianças, jovens, migrantes e idosos”, refere o estudo. E as causas, a nível internacional são também cada vez mais diversas. A OCDE aponta algumas: a nível estrutural - o mercado imobiliário e de arrendamento não joga a favor de quem não tem casa -, a nível institucional - como as dificuldades de acesso a cuidados de saúde, ou ao sistema judicial - e, por fim, as chamadas circunstâncias individuais - crises familiares, violência doméstica, ou doenças mentais.  
Diferentes países, contagens e abordagens
No meio de tantas causas e números, importa referir que cada país tem em conta diferentes critérios na hora de contar os sem-abrigo. Segundo a OCDE, “a falta de casa é difícil de medir e é ainda mais difícil fazer comparações entre os países”. 
Em Portugal, os números englobam as pessoas que vivem na rua e em centros de abrigo temporário - é também assim na Áustria, Chile, França, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Lituânia, Eslovénia, Espanha e Estados Unidos. Noutros países, como a Alemanha, Luxemburgo ou Grécia, são contabilizadas também as pessoas que estão a viver em casa de amigos, familiares, ou até hotéis - sendo sempre a falta de casa apontada como motivo. É também por isso que os números totais são muitas vezes relativos para efeitos de comparação. No entanto, olhando para a tabela do número de sem-abrigo da OCDE, o número de pessoas sem casa em Portugal representa 0,03% do total da população - ou seja, são 3396 pessoas sem-abrigo -, segundo dados de 2018. Abaixo de Portugal só a Croácia (0,01%) e Israel (0,02%). 
A nível de soluções, é fundamental para a OCDE que os países invistam na prevenção, identificando os casos de risco - ou seja, atuem antes de a pessoa ficar na rua. A Housing First é outra medida que tem vindo a ser discutida por vários países - colocada em prática também em Portugal -, que consiste em dar uma casa para que as pessoas possam recomeçar e recompor a sua vida.
Panorama em Portugal
A maior parte das pessoas em situação sem-abrigo estão em Lisboa. Os dados da Câmara Municipal de Lisboa que transformam os sem-abrigo em números revelam que, entre 2015 e 2017, houve uma redução de 50% do número de pessoas em situação de sem-abrigo. Estas contas foram feitas há um ano, mas a contagem oficial da autarquia de Lisboa é de 2018 - ano em que foram contabilizadas 361 pessoas em situação de rua, sem teto, e 1967 pessoas sem casa, que vivem em casas de abrigo temporário.
Nas últimas reportagens feitas pelo i, a propósito da situação das pessoas que vivem na rua, as explicações para o facto de não terem um teto são várias. Há quem trabalhe, mas não tem dinheiro para pagar uma renda - um quarto em Lisboa não custa menos do que 300 euros por pessoa - e, por isso, as tendas multiplicam-se pela capital. Há quem esteja à espera de uma vaga nos centros de reabilitação e há também quem prefira estar na rua a ir para os centros de abrigo temporário - que, dizem, não têm condições. 
A Câmara Municipal de Lisboa aprovou em novembro o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo - um investimento de 14,5 milhões de euros, a aplicar até 2023, que prevê a atribuição de mais 400 casas para as pessoas que estão sem teto. Manuel Grilo, vereador da Educação e dos Direitos Sociais, referiu que este “é o maior investimento de sempre nesta área, numa resposta sem igual na redução das desigualdades”. “A nossa esperança é que haja outras cidades a seguir este exemplo”, acrescentou o vereador do Bloco de Esquerda. 
A nível nacional, e a propósito da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo - que definiu como uma das prioridades que ninguém fique na rua mais de 24 horas -, foi criada, no mês de dezembro do ano passado, a figura do gestor executivo. O cargo foi ocupado por Henrique Joaquim, responsável pela Comunidade Vida e Paz durante oito anos. O objetivo é, segundo publicado em Diário da República, agilizar e diminuir o tempo de resposta às necessidades das pessoas que se encontram a viver na rua ou em centros de acolhimento temporário.


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