terça-feira, 28 de janeiro de 2020

COMBATE À CORRUPÇÃO OU CAMINHO PARA A CONFUSÃO?



Alberto Castro*, Londres

Em nome da igualdade, liberdade e fraternidade, os revolucionários franceses cortaram a cabeça do rei Luiz XVI e da rainha Maria Antonieta. Em nome da revolução, Robespierre, o defensor do povo, o chamado incorruptível, mandou para a guilhotina os seus opositores girondinos e também os seus companheiros de luta jacobinos. Em nome da justiça e da revolução Robespierre foi ele mesmo guilhotinado pelos adversários por ter-se tornado cruel, ditador. Sangue e terror mancharam os nobres ideais da Revolução Francesa.

Em nome da libertação do jugo colonial começou de forma mais brutal a luta pela independência de Angola quando em março de 1961 a UPA matou e mutilou, muitos à catanada, centenas de colonos brancos e também negros nas fazendas de café na região dos Dembos, Negage, Úcua e Nambuangongo.

Em nome da luta contra o imperialismo norte-americano e seus lacaios no continente milhares de angolanos perderam as suas vidas outros tantos ficaram mutilados e milhares fugiram da guerra. O mesmo aconteceu em sentido inverso em nome da luta contra o comunismo o mesmo aconteceu em Angola. Em nome da luta contra o fraccionismo centenas foram mortos sumariamente e outros tantos implacavelmente perseguidos e desaparecidos sem deixar rastros. A pretexto de alegadas conspirações políticas e práticas de feitiçaria no "reino'' da Jamba famílias inteiras foram dizimadas, pessoas perseguidas e torturadas até à morte, mulheres e crianças queimadas vivas.

A ambição política e o revanchismo sempre marcaram os principais atores nos processos pré e pós independência em Angola. E o slogan "a luta continua" parece fazer também jus a uma história de continuidade de erros trágicos que lideranças políticas angolanas teimam em repetir. Do inicial entusiasmo com o necessário combate à corrupção somos tomados por uma inquietude com a repetição trágica da história quando vemos que a ambição política e o revanchismo parecem claramente guiar e manchar o imprescindível combate à corrupção que, na minha modesta opinião se faz acima de tudo com boa governação e criação de mecanismos de fiscalização da transparência na gestão da coisa pública, passando também por uma oposição capaz, uma sociedade civil atuante e uma imprensa vigilante.

Vazamentos estrategicamente seletivos, focus mediático e criação de ambiente para discurso de ódio visceral dirigido a apenas um clã de uma família política responsável pelo destino do país desde a independência, tudo isso nos leva a questionar sobre as boas intenções do alegado combate à corrupção num jogo onde árbitro e juiz se confundem.

É frágil o argumento de que outros nomes não não são tornados públicos porque cumpriram ou têm estado a cumprir com as suas obrigações de repatriamento e/ou devolução voluntária dos ilícitos adquiridos gozando do "benevolente" estado de graças dado pelo governo do MPLA de João Lourenço e que agora se está na fase coercitiva do processo de repatriamento de capitais. O mecanismo legal habilidosamente criado para suportar esse argumento permite claramente que se jogue em causa própria e se divida corruptos e ladrões entre mauzinhos e bonzinhos, ficando estes mais protegidos da ira popular. 

O flagelado povo angolano merece saber o nome, endereço e a riqueza de todos o que o pilharam, como se tornou público com o património de Isabel dos Santos, que até ser julgada e condenada, é legalmente tão inocente quanto outros. E isso não é fazer a defesa da senhora que de repente passou a ser a única mázinha de todo um processo de saque do país promovido pelo MPLA, não apenas por José Eduardo dos Santos, com a famigerada política de acumulação primitiva de capital incentivada e acobertada pela hipocrisia capitalista ocidental. 

Não bastam também declarações eufóricas a declamar os milhões que foram recuperados. É preciso saber a quem pertenciam, como, onde e em que condições foram recuperados, se juros foram atualizados e o destino que terá cada centavo recuperado. Para isso urge a criação de um Portal de Transparência e de livre acesso a informação onde o bem de todos os membros do executivo, a começar pelo chefe, do legislativo e do judiciário sejam de conhecimento público. Aliás, este teria sido o primeiro passo a ser dado para credibilizar o que, por enquanto para mim, não passa uma suposta saga de combate à corrupção com muito ruído para desviar os olhares para os difíceis problemas que afetam o país.

Em nome do combate à corrupção condenou-se por convicção e factos indeterminados um ex-presidente brasileiro, destruiram-se empresas com tecnologia de ponta e implantação global na área da construção civil, desapareceram centenas de empresas que delas dependiam nas mais diversas áreas, milhares dentro e fora do Brasil caíram no desemprego e um estudo recente aponta que os impactos diretos e indiretos da Operação Lava Jato na economia brasileira rondam os R$ 142,6 bilhões. E, não menos trágico, abriu-se caminho para um neonazista como Jair Bolsonaro.

Para já a principal vítima desse combate é o país que vê o seu nome nas páginas e telas de noticiário do mundo inteiro pelas piores razões, toda a sua classe empresarial colocada sob suspeita nos negócios que tem, ou que faz, com o estrangeiro mesmo que de forma lícita. O combate à corrupção deve ser apoiado e incentivado desde que feito com justiça para todos, sem qualquer margem de dúvida para percepção de justiçamento. Caso contrário arrisca-se a que o país volte a trilhar uma vez mais os caminhos trágicos da sua já dolorosa história feita de feridas ainda por cicatrizar.

*Colunista e correspondente internacional


paginaglobal.blogspot.com

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