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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

«UMA CHACINA» - Com o seu gesto, Anas K., de 22 anos, pretendeu protestar contra a miséria e o impasse da sua condição social.



«Uma chacina»


Ninguém podia invejar a sorte de Nathalie Dompnier, presidente da Universidade Lumière Lyon II, quando teve de comentar a imolação pelo fogo, a 8 de Novembro último, de um dos seus estudantes. 

Com o seu gesto, Anas K., de 22 anos, pretendeu protestar contra a miséria e o impasse da sua condição social. Tinha de trabalhar e estudar ao mesmo tempo; reprovara nos exames; acabava de lhe ser retirada a bolsa que recebia. Decidiu-se então, segundo as palavras do tunisino Abdel Razzaq Zorgui, que também se imolou, em Dezembro de 2018, a «fazer uma revolução sozinho».

Os jovens entre os 18 e os 24 anos constituem o grupo cuja taxa de pobreza mais aumentou. Ora, recorda Nathalie Dompnier, a precariedade «não permite estudar em condições de serenidade». Cinco meses antes da tentativa de suicídio de Lyon, um aviso oficial advertia que o trabalho assalariado dos estudantes, quando ultrapassa um certo período, «o que acontece muitas vezes entre os que não dispõem de bolsas suficientes ou de ajudas familiares, fá-los correr um risco acrescido de insucesso nos estudos» [1].

Muitos destes estudantes, além disso, têm fome, dormem na rua, não cuidam de si próprios. Com os meios ínfimos de que a sua universidade dispõe, Nathalie Dompnier declara que «não poderá fazer tudo» por eles. Avança com «uma unidade psicológica»«um número verde»«uma mercearia solidária» (Le Monde, 16 de Novembro de 2019). Quanto à ministra do Ensino Superior e da Investigação, Frédérique Vidal, vale-se de ter «aumentado o montante das bolsas» (na realidade, em 1,3%, ou seja, o nível oficial da inflação). 

Vai, contudo, «repensar tudo isto»; mas, «evidentemente, isso leva tempo». Por agora, promete que, neste Inverno, vão deixar de expulsar os estudantes pobres das residências universitárias…
O que se passa com a universidade passa-se com os hospitais, a agricultura, os bombeiros, a escola, o estado das pontes. Em França, do mesmo modo que noutras paragens. Passados trinta e cinco anos de privatizações, de recuo da gratuitidade, de diminuição das prestações sociais, de controlos miudinhos em todas as áreas – obrigada, Internet –, chegámos a uma sociedade sob pressão, atordoada, no osso, que está a esgotar as suas últimas reservas. Uma sociedade com sectores inteiros que estão a sucumbir. A intervalos regulares, esta sociedade mostra o seu esgotamento, exprime a sua cólera [2]. Pé ante pé, ela resiste à violência que os partidos de governo teimam em infligir-lhe, apesar de todas as alternâncias políticas. 

No programa das mais recentes «reformas», ou das próximas, constam a redução dos apoios à habitação, um novo aumento da idade de aposentação, a liberalização do trabalho à noite, a restrição dos apoios do Estado na saúde, o endurecimento das condições para o subsídio de desemprego – «uma chacina», segundo reconhece um responsável sindical, Laurent Berger, apesar de beneficiar dos favores da presidência da República.
Um jovem que sacrifica a vida como se faz nos regimes autoritários, manifestantes que perdem um olho, uma mão, durante uma carga policial, panfletários de direita que anunciam a guerra civil… Nas próximas semanas vão acontecer em França vários movimentos de greve. Se eles fracassarem, em que situação estaremos no próximo ano?


sexta-feira 6 de Dezembro de 2019

Notas

[1] Marie-Hélène Boidin Dubrule e Stéphane Junique, «Éradiquer la grande pauvreté à l’horizon 2030», Conseil économique, social et environnemental, Paris, 26 de Junho de 2019.
[2] Ler Bernard Cassen, «Quand la société dit “non”» (bem como o dossiê em que se insere), Le Monde diplomatique, Janeiro de 1996.


pt.mondediplo.com

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