domingo, 29 de dezembro de 2019

Igreja com Opus rejeita revisão da Concordata


Em causa está o projeto de lei apresentada pelo PAN que defende a possibilidade de os políticos dizerem se pertencem ou não a associações de caráter discreto, como Maçonaria ou Opus Dei.

Independentemente da aprovação do projeto de lei do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) sobre a faculdade de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos declararem se pertencem ou não a organizações de caráter discreto, a Igreja Católica já deixou bem claro que não quer mudanças de fundo - nomeadamente, abrir a a hipótese de uma revisão da Concordata (tratado entre o Estado português e a Santa Sé que visa assegurar os direitos dos católicos).


Em declarações ao SOL, André Silva, porta-voz do PAN, explica que o projeto de lei que o prevê e que subscreve tem o intuito de assegurar uma maior transparência, ao incluir um campo de preenchimento facultativo sobre a filiação ou ligação com associações ou organizações "que exijam aos seus aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não assegurem a plena transparência sobre a participação dos seus associados. Esta formulação abarca a prelatura do Opus Dei e a maçonaria, que são as duas organizações que têm o maior peso e protagonismo no nosso país".
Ora, na edição passada, um porta-voz do Opus Dei disse ao SOL que esta instituição seguiria, em relação a este assunto, a posição da Igreja Católica. "Isto porque esta proposta, para dizer respeito ao Opus Dei, será por abranger a pertença a instituições católicas. Ora o regime legal das instituições católicas tem de respeitar a Concordata celebrada entre o Estado português e a Santa Sé. Por isso, a Igreja terá uma palavra a dizer", explicou Pedro Gil, diretor do gabinete de comunicação da Obra. "As pessoas do Opus Dei não só querem total liberdade para falar da sua fé e da sua pertença ao Opus Dei, sem segredos nem restrições, como a exercem com facilidade e frequência", acrescentou.
Em resposta, o PAN reiterou ao SOL que a possibilidade da menção facultativa da pertença ao Opus Dei "não carece de qualquer revisão da Concordata para ser efetivada em Portugal, uma vez que a Concordata não proíbe este tipo de disposições legais".
Questionada sobre esta questão, a Conferência Episcopal, órgão da Igreja Católica, perfilhou a argumentação do porta-voz do Opus Dei e afastou a possibilidade de uma revisão da Concordata: "Sobre o assunto, não se justifica uma revisão da Concordata, que é um tratado internacional entre a Santa Sé e a República Portuguesa", afirmou fonte oficial ao SOL.
A Conferência Episcopal frisou ainda que "o Opus Dei é uma prelatura pessoal aprovada pela Igreja Católica, faz parte da Igreja Católica como qualquer instituição eclesiástica, não tendo qualquer atividade ou ligações maçónicas" e que, segundo a doutrina desta religião, "a pertença à maçonaria é incompatível e inconciliável com a pertença à Igreja Católica", como é referido no Código de Direito Canónico de 1983.
O SOL questionou também a Presidência da República sobre este projeto de lei e sobre a possibilidade de o mesmo poder obrigar a uma revisão da Concordata. Fonte oficial disse que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não fará "comentários" sobre este assunto. "São coisas que estão a ser elaboradas na Assembleia da República e não nos pronunciamos sobre elas", disse a mesma fonte oficial do Palácio de Belém.

Resposta a ‘apelo’ dos cidadãos
O PAN diz ter visto a posição do Opus Dei com "alguma surpresa", já que aquando da entrada em vigor da uma lei que obriga os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos a mencionar os cargos sociais que exerçam ou tenham exercido nos três anos anteriores em fundações ou associações, incluindo o Opus Dei, não houve "qualquer crítica do Opus Dei ou apelo à intervenção pública da Igreja Católica, algo incompreensível tendo em conta que o nível de exigência era objetivamente superior ao que agora está em causa".
André Silva diz que o PAN não tem como objetivo atacar a liberdade religiosa, nem proibir ou punir a participação em entidades como o Opus Dei, a Igreja Católica e a maçonaria. "Pretendemos tão somente dar resposta aos crescentes apelos dos cidadãos no sentido do reforço da transparência no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, criando um mecanismo que permita aos titulares destes cargos, que assim o desejem, declarar a sua filiação em organizações que, por forjarem fortes laços de solidariedade entre os seus aderentes ou por não assegurarem a plena transparência sobre a participação dos seus associados, poderão constituir um risco sério para a isenção e a imparcialidade exigidas no exercício destes cargos", explica ao SOL o líder do PAN.

A ‘hipocrisia’  do Opus Dei
Numa coisa o Opus Dei e a maçonaria estão de acordo: são duas instituições totalmente distintas, sem quaisquer pontos em comum. Maçons ouvidos pelo SOL não se sentiram melindrados pelo distanciamento imposto pela ordem religiosa e há até quem aponte à sua "hipocrisia" ao refugiar-se na posição da Igreja Católica em relação ao projeto de lei do PAN.
José Manuel Anes, da Grande Loja Regular, defende que existem, de facto, muitas diferenças entre a maçonaria e o Opus Dei, nomeadamente a recusa por parte dos maçons de viverem sob dogmas ou fundamentalismos. "No código de direito canónico, há uma alínea que diz que os cristãos só não podem pertencer às organizações que maquinam contra a Igreja. E isso não existe nas organizações maçónicas. Eu acho é que o Opus Dei é que está a maquinar contra a Igreja e contra o Papa Francisco", diz ao SOL.
Anes, que foi fundador e Grão-Mestre da Grande Loja Regular entre 2001 e 2004, diz que a postura do Opus Dei ao chamar a Igreja Católica para a discussão é "uma grande hipocrisia": "Há várias organizações que têm conspirado contra o papa Francisco e uma delas é o Opus Dei. É preciso ter descaramento para vir dizer que vão fazer obedientemente o que a Igreja Católica disser. Então, obedeçam ao Papa e não conspirem contra ele".
Quanto ao projeto de lei do PAN, José Manuel Anes mostra-se contra a iniciativa: "Não há obrigatoriedade nenhuma das pessoas declararem as suas opções filosóficas e religiosas. Isso seria contra a constituição. Eu assumi já há muito tempo e não tenho problema nenhum com isso, mas quem não quiser assumir, acho muito bem que não seja obrigado a fazer essa declaração".
Também Pedro Rangel, da Grande Loja Simbólica de Portugal e da Aliança Maçónica Europeia, defende que o projeto de lei do PAN coloca em causa as liberdades individuais de cada um. "Podemos ser judeus, muçulmanos, católicos, ter a nossa preferência partidária e clubística. Se de facto essa lei for avante, então todas as preferências e tendências deveriam ser reveladas", diz ao SOL.

Secretismo é uma ‘falsa questão’
Pedro Rangel defende que o tema do secretismo em torno da maçonaria é "uma falsa questão", já que todas as obediências maçónicas estão registadas como associações profanas e os nomes dos dirigentes estão acessíveis. "Também não temos acesso ao nome de todos os sócios do Benfica ou militantes do PSD, não existe uma lista pública. Obviamente que se houver um problema com um dos seus membros a lista é aberta. Ninguém se esconde atrás da maçonaria. Se algum membro que tiver um problema na Justiça, obviamente que esse nome é revelado em termos judiciais", explica.
Quanto à Opus Dei, Pedro Rangel reforça a ideia de que esta instituição religiosa se rege por "um tipo de conduta diferente" daquele que é assumido pela maçonaria. "Respeitamos o Opus Dei, como respeitamos outras ordens e religiões. Acho que a diferença entre nós é clara e fizeram bem em demarcar-se, porque nós, enquanto Grande Loja Simbólica de Portugal, também nos demarcamos", defende.
O SOL tentou entrar em contacto também com Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, mas sem sucesso. 

sol.sapo.pt

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