sábado, 30 de novembro de 2019

Um Reino Unido: a história real do primeiro presidente de Botswana e a mulher inglesa que ele amava


Seretse Khama, nascido em 1921, esperava para ser coroado rei dos poderosos Bangwato, a maior tribo de Botsuana. Seu pai morreu quando ele tinha quatro anos, e o regente era seu tio Tshekedi Khama. Na época, Botsuana era um protetorado britânico, conhecido como Bechuanalândia. Ele foi educado na África do Sul, onde conheceu Mandela quando ambos estudavam em Joanesburgo, antes de se mudar para Londres, para estudar Direito, onde viria a conhecer o amor de sua vida.

História de amor comovente
Um Reino Unido: a história real do primeiro presidente do Botswana e a mulher inglesa que ele amava
David Oyelowo e Rosamund Pike como Seretse Khama e Ruth, no filme, e Seretse e Ruth na Bechuanalândia, agora Botsuana

Na Grã-Bretanha do pós-guerra, apenas 0,02% da população era negra e o preconceito era abundante. Em um baile da Sociedade Missionária de Londres em 1947, Seretse conheceu Ruth Williams, na época uma funcionária dos subscritores da Lloyd's e filha de um exportador de chá. Eles foram inicialmente unidos por um amor mútuo pelo jazz. Pouco tempo depois, ele pediu que ela se casasse com ele, mas seu tio Tshekedi era firmemente contra isso. Ele achava que quando Seretse retornasse a Bechuanalândia para assumir sua posição de chefe dos Bangwato, seu povo nunca aceitaria Ruth como mãe da tribo.

Em colaboração com Sir Evelyn Baring, um alto comissário de Bechuanalândia, ele conseguiu interromper o casamento no altar; Ruth foi demitida de seu emprego e seu pai a deserdou. No entanto, o casal se casou em segredo em um cartório de Londres em 29 de setembro de 1948.

Seretse retornou a Bechuanalândia logo após seu casamento e participou de uma série de kgotlas, grandes conselhos gerais tribais, que eram efetivamente o centro da vida moral e política, para discutir seu futuro. No terceiro, em junho de 1949, pelo menos 9.000 homens apareceram de toda a reserva de Bangwato. Contestado por Tshekedi, Seretse fez um discurso comovente e pediu aos Bangwato que o aceitassem como chefe com Ruth como sua esposa.

No final, ele solicitou que aqueles que o apoiavam se levantassem e quase todos o fizeram com gritos de "Pula! Pula! Pula!". Pula é uma palavra polivalente: significa "chuva" em tsuana, além de ser o nome da moeda e uma expressão geral de aprovação e boas-vindas.

Seretse enviou um telegrama para Ruth em Londres dizendo que eles foram aceitos pela tribo e, em agosto de 1949, ela viajou para Serowe, a capital da Reserva Bangwato, acolhida por uma multidão que aplaudia ao longo do caminho. Mas os britânicos não gostaram nada daquilo, principalmente por causa da pressão da África do Sul, que estava oficialmente estabelecendo o apartheid, e da qual os britânicos dependiam de ouro e onde buscavam urânio.
Rejeitados pela comunidade
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O casal se estabeleceu em Serowe, mas inicialmente foi difícil para Ruth, que foi rejeitada pela comunidade colonial branca dominadora e, a princípio, também lutou para se estabelecer entre as mulheres africanas. A população da época era de quase 300.000, dos quais apenas 2.000 eram brancos.

No ano seguinte, porém, Ruth, que estava grávida, havia se tornado popular entre os habitantes locais, especialmente as mulheres. No entanto, Seretse foi persuadido a fazer um viagem até o Reino Unido, para falar sobre sua possível regência. Chegando lá foi banido de Bechuanalândia por cinco anos pelo governo inglês.

Após um ano, ele conseguiu uma autorização para voltar a sua terra para iniciar uma ação contra Tshekedi e, enquanto estava lá, sua filha nasceu. Quando Seretse teve que voltar outra vez para a Inglaterra, ela e Ruth foram com ele. Esperava-se que, se os conservadores britânicos chegassem ao poder em 1951 e Seretse pudesse voltar para casa, mas, apesar de ter criticado o comportamento do governo, Winston Churchill estendeu a proibição como vitalícia.

O casal sofreu muito nas mãos dos políticos britânicos, e a razão espúria apresentada foi que o retorno de Seretse a Bechuanalândia colocaria em risco a paz e o bom governo de lá. Mas o caso de Seretse foi tratado com simpatia pelo público britânico, na emergente atmosfera anti-apartheid. Entre seus apoiadores estava um jovem Tony Benn, o famoso escritor e político, que defendia a causa do casal implacavelmente.
O retorno definitivo
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Os Bangwato imploraram a rainha pela volta de seu chefe, e em 1956 Seretse e Ruth, junto com seus dois filhos, foram finalmente autorizados a voltar para casa. Seretse reuniu-se com Tshekedi, renunciou a regência e fundou o Partido Democrático da Bechuanalândia, tornando-se o primeiro presidente de Botsuana em 1966, quando o país se tornou independente e se reelegeu mais 3 vezes.

Naquele momento, para a ONU, Botsuana era considerada uma das dez nações mais pobres do mundo e o país menos desenvolvido da África. Mas a descoberta de diamantes formou a base para a riqueza da nação, juntamente com uma poderosa indústria de turismo de vida selvagem, e tem sido uma economia florescente desde então.

Seretse e Ruth tiveram mais dois filhos. Seretse morreu de câncer em 1980, com apenas 59 anos, mas Ruth permaneceu em Botsuana, onde apoiava ativamente as causas das mulheres, e foi presidente da Cruz Vermelha local. Ela morava sozinha em uma fazenda e morreu em 2002.
Da vida real para a tela grande
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Essa história chamou a atenção da historiadora e escritora Susan Williams, que a transformou em um livro magistralmente pesquisado. Ela teve toda a cooperação da família, que lhe disse para escrever a história como a encontrou, e "Color Bar" foi publicada em 2006. Mais tarde, chamou a atenção do ator David Oyelowo, que ficou obcecado em transformar o livro em filme.

O filme "A United Kingdom", dirigido pela belíssima Amma Asante, foi lançado em 2016, como parte do evento que comemorava o 50º aniversário da independência de Botsuana. Estrelado por David Oyelowo, como Seretse Khama, e Rosamund Pike, como Ruth, o filme foi aclamado pela crítica especializada praticamente no mundo todo.

VÍDEO
É um filme extraordinariamente edificante, completamente lindo de se ver e que se move com alto apelo emocional sem explorar o dramatismo barato. Durante a premiere em Gaborone parecia um jogo de futebol, com gritos de alegria quando parte do público reconhecia pessoas que conhecia na tela. No final, uma ovação de pé e muito "Pula! Pula! Pula!".
Por que Seretse Khama?
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Para explicar todo este júbilo e a adoração que os botsuaneses sentem por Seretse vou terminar o post explicando algumas coisas que aconteceram com o país. Pese que quando conseguiu sua independência em 1966, nascia uma das nações mais miseráveis da África -os britânicos e franceses sempre foram assim, quando saem de uma colónia se comportavam como gafanhotos-, hoje pode se dizer que razoavelmente é um dos estados africanos mais estáveis.

Historicamente, foi menos colonizado do que grande parte do continente, e isso teve uma influência positiva culturalmente. A boa administração e a riqueza trazidas pela descoberta de diamantes garantiram que seus cidadãos tenham direito a assistência médica e educação gratuitas, e cada um pode reivindicar um pedaço de terra, de 40 x 40 metros, quando completar 21 anos, pelo qual não precisa pagar.

A economia é forte, o pula está se saindo melhor do que o rand sul-africano em relação à libra. Gaborone é um canteiro de obras em andamento, sem sinais esmagadores de pobreza.

Todos os filhos de Seretse vivem em Botsuana; e o mais velho, Ian, foi o quarto presidente do país, reeleito uma vez, entre 2008 e 2018. Ele tinha costume de andar de moto pela capital e um estilo de vida modesto, comparado aos líderes de alguns dos países mais voláteis da África.

Entretanto, apesar do carisma de Ian, ele tinha um estilo linha dura e foi muito criticado por banir lojas de bebidas alcoólicas que vendiam o chibuku, uma bebida tradicional local. Ainda assim, constitucionalmente impedido de concorrer novamente após dois mandatos consecutivos, conseguiu eleger seu sucessor, Mokgweetsi Masisi, que foi seu vice e ministro da educação.

O filme de Amma Asante termina com um letreiro que destaca uma citação do próprio Seretse Khama, que, por sua vez, também encerra o livro de Susan Williams

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