quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O perigo


Enquanto o presidente Bolsonaro promete eternas juras à Constituição, o seu filho propõe um diploma que combata a ideia do Comunismo.

A sua ideia não é combater as organizações comunistas, fragilizadas, mas aproveitar o anticomunismo enraizado para combater todas as organizações sociais que ponham em causa a opinião dominante, tidas na sua ideia como comunistas. Em Portugal, tivémos um vislumbre pesado dessa ditadura em que o conceito comunismo abarcava toda a oposição e os valores do anticomunismo foram erguidos durante 48 anos de empobrecimento político, social e económico e de desigualdades sociais.

Mas as novas (velhas) experiências também acontecem deste lado do oceano. A par de uma homenagem do socialista Macron ao marechal colaboracionista dos nazis Pétain (perigosa mesmo que seja para cativar a base social da Frente Nacional) e depois de sucessivas iniciativas da Comissão Euroeia, o Senado francês acaba de rejeitar mais um diploma relacionado com as falsas notícias, que apareceu sem qualquer debate sério e tido por políticos e jornalistas como mais perigoso que eficaz.

O seu texto permitiria... 

..."a pedido do Ministério Público, de todo o candidato, de todo o partido ou agrupamento político ou de toda a pessoa tendo interesse em agir", "fazer cessar" a difusão das "alegações ou imputações inexactas ou enganosas de um facto de natureza a alterar a sinceridade do escrutínio futuro" e de "difundidas de maneira deliberada, artificial ou automática e massiva através de um serviço de comunicação ao público em linha". Ver aqui (é possível que o seu conteúdo esteja impedido a não assinantes).

Aqui, o fenómeno de alargamento da frente de combate não é feito em nome do anticomunismo. Mas em prol da defesa da democracia e da transparência de informação, quando na verdade tudo pode servir para conseguir o seu contrário, ou seja, minar os opositores que tragam informações incómodas. Aliás, nada de novo.

Convém sublinhar que a guerra fria não foi nada disso - fria. Muito pelo contrário. Tratou-se de um período da Historia mundial que está longe de poder ser caracterizado pelas histórias dos filmes a preto e branco, baseados em romances de espionagem. Foram verdadeiros combates sem luvas brancas.

Saído da segunda guerra mundial e do seu papel na derrota do nazismo, o movimento comunista internacional atingiu uma tal projecção nos países ocidentais, que partidos comunistas foram os mais votados em França e na Itália, durante quase uma década. A participação comunista nos principais governos europeus era inquestionável e imparável.

As democracias ocidentais viriam então a perder a tranquilidade do rotativismo eleitoral e a assumir então traços proto-ditatoriais ou simplesmente de lutadores da rua. Os ministros comunistas foram expulsos do governo, reprimiram-se movimentos sociais e lutas laborais. Em França, um ministro socialista, assustado, chegou a enviar tanques contra uma greve de mineiros, como forma de lhes partir a espinha, o que veio a acontecerHouve confrontos violentos em Itália, com dezenas de mortos. Em todo o mundo, leis facilitaram o despedimento de comunistas do funcionalismo público, a apreensão de passaportes, a caça às bruxas em diversas actividades, aprensões de material e arquivos em sedes de partidos, até chegar há prisão em massa de comunistas pelo mundo fora, inclusivamente em França, quando em 1952 foram presos o director do órgão central do PCF e o próprio secretário-geral do PC Francês, Jacques Duclos, deputado na Nação, juntamente com dois pombos - oferta de um camarada, possivelmente para um petisco - os quais integraram a acusação judicial paranóica, talvez como fazendo parte de um destacamento de pombos-correio enviados de Moscovo. 

Esse movimento do pêndulo político fortaleceu-se com a proclamação da República Popular da China (1949), a guerra civil na Coreia que terminou com a entrada dos fusileiros norte-americanos e de tropas chinesas, a explosão das guerras de insurreição comunista na Ásia que foram afogadas em sangue (caso da Indónesia, Birmânia, Malásia) e o surgimento na Ásia e na África de um poderoso movimento de libertação nacional das colónias ocidentais que se estenderia anos anos 60 e 70, e que teria um contrapeso nas tomadas de força pelos países ocidentais no Médio Oriente.   

O movimento anticomunista, por seu lado, partiu da reviravolta feita, logo no pós-guerra, na política externa norte-americana, após a morte de Roosevelt - que, pouco antes de morrer, pretendia retirar as tropas norte-americanas da Europa - e com a sua substituição por Truman. O anticomunismo surgiu em reacção a essa enorme inferno vermelho que percorria os países ocidentais.

Os traços dessa política anticomunista - alimentados pela denúncia pública do que se passara na URSS estalinista até 1953, com a intervenção do Pacto de Varsóvia na Hungria de 1956 - afastaram muito da base social de apoio comunista e projectaram-se, eles sim, pelo mundo durante várias décadas. Tanto na política como na teoria económica. E ainda hoje estão bem presentes, ainda que subliminares, nas políticas liberais - contra o colectivismo de um Estado Social e o papel dos sindicatos como defensores de interesses lobbistas - que as nossas instituições multilaterais tentam impor ao mundo, mesmo quando o movimento comunista deixou de ser a força que era nos anos 50 do século passado e em que a própria social-democracia europeia se afoga. 

Tempos, pois, perigosamnte interessantes, embora com muitos laivos de déjà vu. 


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